“VENOM: TEMPO DE CARNIFICINA” – Estagnar é retroceder
Em 2018 foi lançado “Venom”, filme não empolgante, mas também não ofensivo (clique aqui para ler a nossa crítica). Em 2021, VENOM: TEMPO DE CARNIFICINA mantém o espírito do seu predecessor, com um único avanço e uma clara aposta na estagnação.
Eddie e Venom ainda não se sentem satisfeitos em dividir o mesmo corpo, mas assim continuam. Enquanto aquele tenta resgatar seu prestígio no jornalismo, este sente a inafastável necessidade de devorar pessoas (e não apenas galinhas e chocolate). Quando Eddie entrevista o serial killer Cletus Kasady, uma ajuda de Venom se torna valiosa, porém cria novos problemas para a dupla.
No primeiro filme, a relação entre Venom e Eddie é apresentada como uma metáfora sobre a relação da humanidade com a Terra. Dessa vez, o cerne do plot é o difícil relacionamento dos dois, o que cria uma metáfora sobre a paternidade. O roteiro desenvolvido por Kelly Marcel a partir da história pensada por Tom Hardy (sim, o também intérprete de Eddie) foca nos atritos entre o jornalista e o alienígena, deixando bastante claro que, enquanto o primeiro é responsável por garantir uma vida normal (dentro do possível) aos dois, o segundo tem postura demasiado infantil e carente. Eddie é quem recorda que pode estar sob suspeita do FBI (e eventual aprisionamento prejudicaria o simbionte da mesma forma), ao passo que Venom responde ao raciocínio adulto do humano com birra (pedido de desculpas) – ora com discussões, ora com carência (“queria que tivesse me visto esta noite, Eddie”).
A infantilidade de Venom pode servir para uma parcela do público que gosta do tipo de humor que dela resulta (em geral, menores de doze anos), contudo não tem capacidade para desenvolver uma trama cativante. Para adultos, o humor é majoritariamente imbecil. São inúmeras as cenas em que Eddie e Venom discutem, algo pretensamente cômico por circunstâncias variadas, como o local (banheiro) ou o resultado (destruição do apartamento). Em outras, o alienígena assume uma posição de humorista, por exemplo ao falar da necessidade de capa e máscara ou ao fazer referências culturais (Sonny e Cher, Osho etc.). Há dois problemas em apostar nessa medida no humor: primeiro, não é engraçado (é apenas infantil); segundo, simplesmente não desenvolve uma narrativa minimamente sólida.
As fragilidades do script são incontáveis: Eddie vai à cela de Cletus com um plano, mas o abandona e isso fica completamente esquecido; a provocação que Cletus faz a Eddie, sobre a sua responsabilidade por morrer, é um ataque psicológico interessante, mas rapidamente descartado; Mulligan (Stephen Graham) é uma personagem relevante do ponto de vista narrativo, mas completamente vazia enquanto personagem. Chama a atenção, ainda, o caráter rocambolesco do roteiro quando se repete à exaustão (como na reclamação de Venom quanto ao que come) ou – o que é ainda mais grave – quando repete um arco dramático já esgotado no primeiro filme (o relacionamento de Eddie com a Anne de uma indiferente Michelle Williams). O que poderiam ser qualidades positivas são desperdícios claros: a sra. Cheng (Peggy Lu) tem um vínculo afetivo com a dupla, todavia isso não é explorado como poderia; Frances (Naomie Harris) provoca o medo alheio (basta ver o policial que leva a sua comida) e possui habilidades que chamam a atenção, porém ela se torna meramente um objeto motivacional para Cletus. O vilão de Woody Harrelson é razoável apenas graças ao bom trabalho do ator, já que seu backstory fica apenas na menção (quando ele fala que sua história tem um lado não contado por Eddie).
A economia na extensão do longa (apenas noventa minutos) revela a pobreza do roteiro, mas também é capaz de expor a direção mais preocupada com a ação do que com o desenvolvimento narrativo (por exemplo, na breve elipse posterior à ajuda de Venom no trabalho de Eddie). A direção de Andy Serkis não é boa, é verdade, contudo não se pode dizer que ele cometeu apenas erros. Tendo se tornado célebre em trabalhos nos quais usava traje de captura de movimentos (na franquia “O Senhor dos Anéis”, na trilogia “Planeta dos macacos”, entre outros), Serkis se tornou um expert em live action. Não é de surpreender, desse modo, que em “Tempo de Carnificina” o CGI de Venom e do próprio Carnificina seja bem melhor que o do primeiro filme (o que inclui a direção de elenco: Tom Hardy agora sabe para onde deve olhar quando conversa com Venom).
O filme de Serkis tem seus momentos, com destaque a duas cenas longas. A primeira é a animação que surge em uma narração de Cletus, que ilustra com delicadeza atos bárbaros (um paradoxo bem-vindo para atenuar a brutalidade). A segunda é o clímax da ação, que se passa em um cenário que contradiz o conteúdo da cena (um paradoxo igualmente bem-vindo, mesmo não inventivo, mas que acentua a vilania de Cletus), exibido em uma iluminação dourada coerente com o local. A direção acerta também no prólogo, em que o flerte estilístico com o terror (pela música, pela fotografia escurecida e pelo cenário) sugere uma obra atrativa. Na prática, contudo, o resultado é uma mescla entre repetições, tentativas de piadas e cenas de ação. O CGI é um avanço (modestíssimo, mas digno de reconhecimento), mas o que marca o longa é a sua estagnação, já que nenhum passo é realmente dado em relação a tudo o que já aconteceu no primeiro filme. Entretanto, para uma continuação, estagnar é retroceder.
P.S.: há uma cena pós-créditos simplesmente imperdível para quem gosta dos filmes de super-heróis.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.