“TUBARÃO: MAR DE SANGUE” -Slasher fraco disfarçado de filme de tubarão
Desde que Steven Spielberg lançou “Tubarão” em 1975 (clique aqui para ler a nossa crítica), o cinema mantém a tradição de produzir obras sobre ameaças monstruosas nos mares. Podem ser sérias, como “Mar aberto“, ou trashs, como “Sharknado“. Podem trazer tubarões como vilões, como “Do fundo do mar” e “Megatubarão” (clique aqui para ler a nossa crítica), ou outros animais, como “Piranha” e “Predadores assassinos“. TUBARÃO: MAR DE SANGUE é mais um exemplar nesse conjunto de filmes pelo menos em teoria. Isso porque a premissa de filme de tubarão tenta ocultar seus traços evidentes de um slasher anacrônico, clichê e apático.
Em princípio, a proposta seria contar uma história de sobrevivência nas condições desfavoráveis impostas pela natureza. Quem precisa sobreviver é um grupo de amigos que está em viagem por ilhas caribenhas nas suas férias de verão. Eles roubam dois jet skis para ir ao mar, mas se envolvem em um acidente que deixa um dos jovens gravemente ferido. A partir daí, precisarão lidar com os obstáculos do ambiente, encontrar um caminho de volta para a praia e enfrentar um terrível predador em seus encalços.
Não leva muito tempo para se perceber que a dinâmica do grupo e as personalidades de cada um se assemelham aos personagens e às interações de um terror slasher. Entretanto, a referência é feita em relação aos problemas do subgênero nos anos 1980 e da forma mais datada e antiquada possível: Nat, Tom, Milly, Tyler e Greg aparecem apenas interessados em desfrutar de suas férias com festas e álcool; são retratados pela câmera como jovens no esplendor da forma física; têm uma composição dramática simplista (evidenciada pelos diálogos pobres na sequência inicial na praia); carecem de um conflito dramático mais consistente (a traição conjugal de um casal não contribui em nada para a trama ou para as situações de tensão em alto mar); e simbolizam clichês como a mulher objetificada, o líder popular e musculoso, o homem negro como uma das primeiras vítimas, o tolo viciado em drogas e a mulher certinha demais preocupada com fazer algo proibido. A narrativa trabalha figuras vazias e situações fúteis como se fossem elementos sérios que não passaram por críticas e sátiras no cinema contemporâneo, além de também desperdiçar uma abordagem mais cômica a respeito do absurdo de tudo aquilo como foi feito em “Morte, morte, morte“.
Podemos identificar a emulação de um slasher se também lembrarmos que o subgênero se baseia na construção prévia da tensão que antecede um ataque violento. É comum que os personagens sejam alertados sobre o perigo que os aguarda se forem para determinado local e que a decupagem explore os mistérios do fora de quadro para deixar a dúvida se o vilão está próximo. Nos dois casos, ainda que o diretor James Nunn busque um efeito de tensão semelhante, fracassa em ambos ao não conseguir dar sutileza ao alerta nem conceber enquadramentos com um princípio coerente. Um senhor idoso e sem as pernas aparece para Nat para avisar sobre um violento tubarão da área, mas a construção da cena o torna rapidamente um figura tresloucada e hostil na forma de agir e de se comunicar em espanhol. Além disso, o cineasta utiliza indiscriminadamente planos aéreos dos jovens em um jet ski defeituoso em alto mar e planos submersos do fundo das águas. O uso é tão exaustivo que a sensação de isolamento após o acidente é banalizada e o prenúncio de uma investida do animal não é construído.
Independentemente do aspecto que se observe, a narrativa se afasta das características de um filme de tubarão para evocar um slasher genérico. Ao invés de ser um acampamento de férias ou uma casa isolada, os personagens estão confinados à área onde podem se agarrar ao jet ski. As tolices dos jovens os fazem se aproximar de uma ameaça mortal, principalmente pilotarem os equipamentos sem cautela, sofrerem um acidente estúpido e complicarem sua sobrevivência com erros sucessivos. Acima de tudo, os desenvolvimentos dos personagens encarnam os arquétipos desse subgênero do terror, já que alguns são apenas as primeiras vítimas, Milly é reduzida a um objeto sexual e Nat logo se anuncia como uma final girl. Curiosamente, a roupagem de slasher parece uma casca vazia que não funciona como homenagem, exercício crítico ou fonte de humor descompromissado.
O grande chamariz da narrativa igualmente segue o mesmo estilo de terror, não necessariamente por razões positivas. O tubarão é caracterizado como um assassino psicopata nos moldes dos mascarados de Michael Myers e Jason Voorhees. Aparentemente, o bicho seria atraído pelo sangue dos ferimentos se não fosse praticamente uma entidade movida pelo desejo de matar. Nesse sentido, ele faz uma série de vítimas tal qual um serial killer, persegue seus alvos como se extraísse algum prazer do ato e oculta sua presença ao máximo até o ataque surpresa. Poderia ser interessante associar simbolicamente o tubarão a um assassino slasher caso a construção estética fosse mais interessante e a concepção visual fosse menos artificial. Não há qualquer cuidado específico em relação à preparação dos ataques através de uma trilha sonora ou de um desenho de som expressivo, gerando sequências de ação abruptas e esvaziadas de tensão. Já os efeitos visuais evidenciam uma computação gráfica nada sofisticada, que faz chocar uma composição imagética fantasiosa do tubarão e uma narrativa tratada na base do realismo fílmico.
Além do choque entre uma abordagem realista e a construção do vilão, há outro contraste que passa longe de ser trabalhada positivamente por James Nunn. À medida que elementos marcantes do slasher se concretizam em tela, sequências cada vez mais absurdas se sucedem enquanto a narrativa tenta preservar um tom sério pouco condizente. Nat assume de vez o papel de final girl que deve enfrentar sozinha o antagonista e encontrar uma forma de voltar à terra firme, sendo que seus colegas se tornam figuras passivas ou tolas que precisam ser salvas ou que criam mais problemas para a fuga. Os confrontos entre a protagonista e o tubarão extrapolam qualquer noção de realismo ou seriedade, porém o filme tenta transmitir em cada plano uma sobriedade que não existe. Na década de 1980, os slashers refletiram o conservadorismo social de uma época; na contemporaneidade, revisaram suas características com um olhar sobre o subgênero e a incorporação de novas agendas sociais. E “Tubarão: Mar de sangue” não consegue ser um filme de tubarão nem a evocação de um slasher, principalmente por se levar a sério demais e não abraçar o humor.
Um resultado de todos os filmes que já viu.