“THE OLD GUARD” – Um escapismo sobre a imortalidade
Lançado pela Netflix, “The Old Guard” já está no top 10 filmes mais assistidos do serviço de streaming, superando a marca de 72 milhões de reproduções. O longa é dirigido por Gina Prince-Bythewood, que também dirigiu Beyond the Lights (“Nos bastidores da fama”, 2014) e The Secret Life of Bees (“A vida secreta das abelhas”, 2008). Já o responsável pelo roteiro foi Greg Rucka, o mesmo criador da HQ que inspirou a adaptação.
O filme conta a história de quatro pessoas imortais que secretamente protegem a humanidade há séculos, participando de importantes momentos históricos. Tudo muda quando o grupo liderado por Andy torna-se alvo de uma indústria farmacêutica comandada por Merrick. O “cientista maluco” quer replicar as características genéticas da imortalidade dos personagens. Para enfrentar esse inimigo, o quarteto conta com uma nova integrante, Nile, que acaba de descobrir sua imortalidade. A narrativa segue, portanto, a jornada do grupo para vencer o plano de Merrick, enquanto mostra a história prévia dos personagens e acompanha a iniciação de Nile.
Com essa premissa, a produção nos apresenta uma típica jornada do herói. Nesse caso, a jornada é da heroína Nile, que passa da inocência ao desafio de defender a humanidade. Até aqui, nada novo.
Ainda assim, o filme tem potencial para duas experiências: diversão escapista e reflexão sobre imortalidade. Isso é proposto, respectivamente, como ação e drama. Dessa forma, “The Old Guard” é um bom escapismo com uma reflexão introdutória sobre imortalidade.
O conflito mais intimista para os personagens é: “tudo morre; só não chegou nosso momento ainda”. Logo, apesar da imortalidade ser a base da história, o envelhecimento parece prejudicar a recuperação após os ferimentos. Isso, na lógica do filme, pode fazer o personagem morrer. Surge, então, uma possível discussão existência que faz lembrar as reflexões de Martin Heidegger.
O filósofo alemão desenvolveu o conceito de “ser-para-morte” (Sein-zum-Tode) segundo o qual a morte é um fenômeno da própria existência – e não do seu fim. Assim, a possibilidade de morrer é uma experiência que individualiza o sujeito.
Seria a morte, portanto, a responsável por dar às pessoas a consciência de toda existência, com base no tempo, estruturando passado, presente e futuro. Nesse sentido, a finitude humana é, para Heidegger, um dos princípios fundamentais da constituição do ser.
Quando os personagens encaram, novamente, a possibilidade de morrer – associada ao envelhecimento -, é possível ilustrar o sentido heideggeriano da morte. Afinal, os personagens retomam sua caminhada para a morte, sua consciência da finitude.
Com isso, discute-se, novamente, o enfrentamento da morte. Assim como todo herói clássico, os personagens de “The Old Guard” também têm sua fraqueza: o tempo.
É evidente que essas relações podem ser feitas pelo público, mas não são exploradas pelo filme diretamente. O desafio de Gina Prince-Bythewood era, aliás, equilibrar diferentes aspectos dos personagens e da trama, como: poder e medo; imortalidade e envelhecimento; experiência e adaptação ao contemporâneo.
Ela consegue fazer isso, por exemplo, com a mistura de armas e técnicas de luta. Mas mostra dificuldade em equilibrar a narrativa em seu ponto mais crucial: o contato entre cenas dramáticas e cenas de ação.
Como um guitarrista em um bom solo, mas que nunca encontra a nota certa para finalizar a performance, a diretora tem dificuldade para concluir as cenas mais empolgantes. Os momentos dramáticos são inseridos como se tentassem justificar a força empregada pelos personagens durante a luta. No entanto, não contribuem para a experiência, fazendo com que boas cenas de ação sejam rapidamente esquecidas.
O longa diverte, mas não mantém o clima positivo. Além disso, propõe reflexões sem o devido encaixe na trama. Em relação às cenas de luta, os cortes são utilizados de forma excessiva.
A diretora poderia ter aproveitado melhor os planos-sequência, principalmente, porque as coreografias em que Charlize Theron aparece estão impecáveis. Theron rouba as cenas e nos entrega um espetáculo de atuação entre técnicas de luta mistas e sutilezas dramáticas.
Já em termos narrativos, a montagem compromete o filme. A justaposição de cenas de ação e drama e os pequenos recortes de fatos históricos sempre dão a sensação de estarem mal encaixados. O longa perde a possibilidade de explorar seus dois potenciais.
Ao propor diversão, insere cenas dramáticas em momentos inoportunos. Ao propor uma reflexão sobre a imortalidade, o faz em diálogos expositivos e de forma apressada. Ainda assim, é um bom filme para quem procura uma experiência audiovisual simples e de qualidade.
É fácil perceber que o longa parece um grande piloto de série. Se houver uma continuação – e é provável que haverá -, será uma nova oportunidade de aparar as arestas e amarrar as pontas soltas. Então, já que se preparou tanto, que faça bom proveito da continuação e entregue uma experiência mais equilibrada entre drama e ação. Enquanto não chega o segundo filme, vale uma pergunta. Se “tudo morre”, por quanto tempo “The Old Guard” ficará em nossa memória?
Redator especialista em comportamento que busca no Cinema os diversos sentidos da vida.