“ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES” – Genocídio de indígenas
Entre o fim do século XIX e o início do século XX, foram descobertas reservas de petróleo nos territórios pertencentes aos osages, povo indígena que habitava a região oeste dos EUA. Essas descobertas se tornaram o estopim para o genocídio ingígena retratado em ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES. Em determinado momento, é dita uma afirmação forte: “é mais fácil condenar um sujeito por chutar um cão do que por matar um índio”. A força maior está, porém, muito mais nos eventos representados no longa do que no próprio longa.
Depois de servir na Primeira Guerra, Ernest Burkhart viaja para viver com o seu tio, William Hale, onde pode retomar a sua vida com um novo trabalho e uma nova esposa. Depois de ser motorista de Mollie, uma osage, Ernest se casa com ela, trajetória seguida por muitos outros brancos interessados no dinheiro que podem conseguir. Quanto mais Mollie se aproxima de Ernest, mais ela se depara com os misteriosos assassinatos de seu povo.
Martin Scorsese ganhou fama como diretor, não como roteirista, fato que tem sua razão de ser. O script de “Assassinos da lua das flores” é baseado no livro de David Grann e foi coescrito com o gabaritado Eric Roth. Ainda assim, é nesse quesito que repousam os maiores defeitos do longa. Além do excesso de personagens irrelevantes, a medição é equivocada quanto às subtramas. Anna (Cara Jade Myers), por exemplo, é uma personagem com potencial, mas com um arco narrativo simplório e subdesenvolvido. O filme se revela longo demais na medida em que as subtramas ou estão em demasia, ou em insuficiência. Se elas sobram, é porque há uma sobreposição entre o segundo (a sequência de mortes) e o terceiro (as investigações) ato, funcionando como uma redundância narrativa. Se faltam, é porque as personagens secundárias são subdesenvolvidas, razão pela qual teria sido melhor se não houvesse desenvolvimento algum (e não um “meio” desenvolvimento).
Existem também elementos mencionados quase como easter eggs, que apenas contribuem na construção de mundo, sem maiores pretensões (como a maçonaria e J. Edgar Hoover). O maior problema, contudo, repousa em Mollie, papel de Lily Gladstone. A atriz tem desempenho de alto nível e compreende a transição da personagem de uma mulher segura e autônoma (o que ela traduz por um olhar pacato, por vezes de superioridade) para uma esposa vulnerável e dependente (além da maquiagem de palidez, há uma expressão de cansaço). O erro está na pouco verossímil conduta de Mollie diante de um contexto altamente desfavorável ao marido. Se ela é inteligente como aparenta, poderia se manter na passividade, mas um mínimo de desconfiança seria lógico.
Nada disso, entretanto, ofusca as diversas virtudes da obra, a começar por duas outras personagens principais. O protagonista é Ernest, vivido por Leonardo DiCaprio com um tom adequadamente patético e frágil (característica enaltecida por um corte de cabelo curto, inicialmente dividido ao meio para transmitir jovialidade). Se vários homens agridem outro homem qualquer, ele faz o mesmo, pois não tem personalidade própria. É em razão disso que ele se encaixa bem com seu cínico tio, interpretado por Robert De Niro. Dispensando os comentários óbvios da qualidade de ambos e do quão bem trabalham juntos, DiCaprio tem em Ernest um rapaz que poderia, em outro cenário, não ter má índole (ele aparenta se compadecer com a condição de Mollie), mas que é facilmente manipulado por William, que dispensa ser chamado de “senhor”, mas aceita o apelido de “Rei” (o que diz muito sobre ele). Um manipulador cínico – e bastante humor é extraído desse cinismo, aproveitando o talento de De Niro ao mesmo tempo em que torna o Rei ainda mais detestável – e uma marionete geralmente sem escrúpulos, ambos infiltrados em um grupo que deles não desconfia. Scorsese põe em xeque a civilidade dos homens brancos: os osages não fazem parte das “cinco nações (indígenas) civilizadas”, mas não são eles que se apoderam do patrimônio (material e imaterial) alheio.
O cineasta demonstra bastante respeito aos indígenas, por exemplo, pelos diálogos no idioma original, mas sobretudo pela cena final. Em olhar micro, a genialidade de Scorsese é reafirmada em diversas passagens, como no simbólico slow motion no prólogo, no poder imagético da explosão seguida de um plano-sequência e no magnético interrogatório perante Tom White (Jesse Plemons, sempre uma presença marcante), em que a iluminação é vertical e a montagem imprime tensão à medida que a narrativa ali progride. Como se não bastasse, o diretor se apropria de técnicas geralmente empregadas em documentário para inserir maior peso à história. Simulando o gênero, ele usa o preto e branco e a razão de aspecto reduzida nas fotografias como se fossem reais, fazendo depois imagens ilustrativas, além de usar narração voice over quando Ernest lê um livro sobre os osages. Em olhar macro, por outro lado, a produção é irregular, com momentos que parecem pouco construtivos. O que não é irregular, nesse caso, é a História: cem anos depois, o genocídio de indígenas ainda ocorre.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.