“O FILME DA MINHA VIDA” – Tempo e amadurecimento
O tempo é como um trem que continua seu percurso infinito de encontros e despedidas. Não há diferença entre chegar e partir, senão pela perspectiva dos viajantes. As novidades são impossíveis sem os encerramentos; amadurecer é, ao mesmo tempo, morte e renascimento. O FILME DA MINHA VIDA registra a experiência íntima do amadurecimento de um jovem da Serra Gaúcha frente à inevitável passagem do tempo e à perda do vínculo com seu pai.
No já longínquo ano de 1963, Tony Terranova volta à cidade de Remanso após estudar na capital. Em sua chegada, precisa lidar com a ausência do pai, o francês Nicolas Terranova, que fora embora para a França. Tony é apaixonado por livros, por filmes e pelas irmãs Madeira. Em seus conflitos típicos da transição entre adolescência e vida adulta, espera por notícias do pai enquanto descobre o amor.
O longa traz diversas temáticas relacionadas com a passagem do tempo e com o amadurecimento. Ao homenagear o Cinema, faz uma referência visual sutil à “Chegada de um trem à estação da Ciotat” (irmãos Lumière, 1895) além de utilizar metalinguagem em seus diálogos. Para falar das perdas no decorrer da vida, mostra a ausência do pai de forma central e a perda da inocência como abordagem secundária. Ao tratar do amor, traz o perdão como o caminho possível para um final feliz.
Temas e subtemas são amarrados pelas mãos e pelo olhar do habilidoso Selton Mello. O diretor afirmou que “a sala escura é uma espécie de templo dos sonhadores” e foi isso que ele criou como artista. O filme é uma realidade onírica: um universo com regras próprias, em que um trem pode fazer qualquer viagem, mas sem perder o contato com os trilhos do mundo real. Não se trata de uma fantasia, mas da criação de um mundo próprio. Nas palavras de Selton, “é um filme onde o pé nunca toca o chão”. Por isso, a obra admite uma espécie de realismo fantástico, sem chegar aos moldes de Kafka, Rubião ou Cortázar, mas tendo os exageros como uma representação afetiva da realidade.
Os aspectos de fotografia e áudio são quase impecáveis. Enquanto filtros alaranjados e amarelados propõem uma viagem no tempo pela paisagem gaúcha, o áudio ambiente é detalhista, trazendo sons sutis como a mastigação e a sucção do cigarro. A trilha musical ajuda a contar a estória, com músicas em francês e português cujas letras se integram à narrativa.
Da mesma forma, os close-ups do primeiro ato são substituídos, gradualmente, por planos mais abertos à medida que aquele pequeno mundo é apresentado. Por outro lado, os cortes secos comprometeram a fluidez e a sutileza do longa; e a falta de sincronização na dublagem de algumas cenas interferiu de forma negativa na experiência.
O principal conflito do protagonista é a ausência do pai, que foi embora sem aviso prévio. Tony se sente abandonado e dividido entre procurar seu pai e aceitar que ele não quer ter contato com a família. Esse sentimento de abandono é demonstrado com flashbacks da infância de Tony e cenas em que ele precisa seguir seu caminho sozinho. O pai presente na emocionante cena da primeira vez em que o protagonista andou de bicicleta sem rodinhas está ausente quando o jovem precisa ter conversas sobre amor e sexualidade.
A apresentação dos personagens é bem feita, com linguagem teatral ao dar destaque individual para cada nova introdução. No entanto, o desenvolvimento deles é o ponto em que o filme poderia melhorar. Há personagens sem espaço suficiente, subtramas incompletas, tempo de tela desnecessário e relações que nos deixam curiosos, mas que não têm sequência.
A relação entre as irmãs Madeira, por exemplo, poderia ser melhor explorada. Seu desenvolvimento seria mais apropriado para o roteiro do que a introdução de um alívio cômico – sem propósito claro para o longa. Além disso, faltou espaço para que Sofia Terranova, a mãe de Tony, mostrasse sua perspectiva sobre ser abandonada pelo esposo.
Tony é interpretado por Johnny Massaro, que, com pouca experiência à época, conseguiu apenas trocar o monotônico olhar apaixonado por um sorriso leve. O primeiríssimo plano, da fotografia insuperável de Walter Salles, parece ter exigido mais do que o ator conseguiu entregar nas cenas. Já Bruna Linzmeyer, como Luna Madeira, compôs uma personagem para além dos limites do roteiro. Flutuando entre inúmeros trejeitos, fez do olhar e da expressão corporal instrumentos afinados com as falas poéticas de sua personagem sonhadora.
Dessa forma, o filme tem um ótimo primeiro ato, um desenvolvimento atrapalhado e uma conclusão que apenas respeita a lógica criada naquele universo. Visualmente, é um bom trabalho, mas que perde potência em sua tentativa de abordar muitos assuntos. O tempo passa para seus personagens e para o próprio filme, que parece ter perdido o momento certo de encaminhar o desfecho. Com isso, dá pouca voz a personagens importantes e deixa de explorar as reflexões filosóficas que propôs.
“O filme da minha vida” é um aconchego para sonhadores que são atraídos pela qualidade técnica, pela liberdade criativa e pela profundidade de sua temática. Ao se aproximar do realismo, em seu retrato da década de 60, manteve suas personagens femininas silenciadas, como coadjuvantes do amadurecimento masculino. Assim, o filme parece misturar a esperança lírica de um final feliz com o gosto amargo da realidade social de seu tempo – e do nosso.
Redator especialista em comportamento que busca no Cinema os diversos sentidos da vida.