“VENOM” – Juntos para a vida
A palavra simbiose resulta da união entre dois termos gregos: syn, que significa “juntos”, e bios, “vida”. São esses, de fato, os dois pilares de VENOM, filme centrado no famoso vilão do Homem-Aranha. Voltado para um nicho bastante específico, talvez o longa possa agradar aos fãs por eventuais referências aos quadrinhos – e, de antemão, é possível afirmar que a versão é muito melhor àquela do terceiro filme do teioso (o de 2007) -, porém, como filme autônomo, não é muito empolgante.
O longa acompanha Eddie Brock, um jornalista investigativo cujo próximo trabalho é entrevistar Carlton Drake, o criador da Fundação Vida, empresa responsável por explorar o espaço em busca de descobertas que revolucionem a medicina. Quando Eddie descobre que a Fundação faz experimentos mortais em humanos, aproveita a entrevista para questionar Drake sobre isso. O que ele não sabe é que a empresa usa simbiontes alienígenas cujo potencial é uma incógnita.
A vida de Eddie parece um castelo de cartas, pois desmorona com uma facilidade que permite questionar a solidez até então sugerida pelo plot: seu trabalho e seu relacionamento não eram tão estáveis quanto pareciam. Narrativamente, porém, o longa não é insatisfatório. O grande problema do roteiro reside nos diálogos, em especial quando a participação de Venom é intensificada. Na prática, Venom acaba sendo o terapeuta de Eddie (como quando o aconselha a se desculpar) em conversas pouco inteligentes. Eventualmente, as falas servem como pretexto para alívios cômicos pontuais (como a cena do elevador), destoando da proposta da película – isso quando elas não são piegas (com direito a “vamos salvar o planeta”).
O texto é raso na questão ética referente aos experimentos científicos e possui uma citação bíblica desconexa do todo, todavia é eficaz ao criar uma mitologia própria, pegando emprestados conceitos da ecologia (simbionte, parasita, hospedeiro etc.) e que, principalmente, é coesa como o próprio roteiro. Isto é, mesmo distante do impecável, o script é harmônico e delineia bem suas sequências. Além disso, é evitado o maniqueísmo: Eddie é um fracassado que poderia ser estereotipado como herói injustiçado, mas não, ele é bom a ponto de ajudar uma moradora de rua, sem ter a audácia de enfrentar um assaltante armado; Drake poderia ser tachado como um vilão em busca de poder sobre-humano, mas a personagem deixa clara uma preocupação plural, no sentido de querer benefícios para a humanidade, ainda que a custos altos. Não que o vilão seja um altruísta, pois seus métodos são inescrupulosos, mas seu fascínio pelo simbionte é justificado como uma admiração científica.
Tom Hardy já é um ator gabaritado o suficiente para viver papéis como o de Eddie sem grandes dificuldades – sua atuação é um dos melhores elementos do longa, cujos defeitos não podem ser atribuídos a ele. Diversamente, Michelle Williams é desperdiçada em um papel superficial: a atriz já provou seu talento, contudo Anne é uma personagem tão genérica que qualquer uma poderia tê-la interpretado. Menos conhecido, Riz Ahmed não vai mal como Drake.
A fotografia de Matthew Libatique tem o mérito de imprimir boa visibilidade, a despeito dos vários planos noturnos – não raro, o visual da noite é justificativa para imagens de pouca nitidez. Os efeitos visuais são bons, inclusive melhores que os sonoros, salvo o trabalho vocal feito para os simbiontes (é interessante a contraposição entre a voz levemente aguda de Hardy e o tom grave de Venom). O design de produção se esmera unicamente nos apartamentos em que Eddie reside, enfatizando o nível para o qual sua vida pessoal cai. No que se refere à estética de Venom, é um dos melhores atributos imagéticos do longa, sobretudo porque as veias funcionam como ótima substituição para a aranha que originalmente aparece em seu corpo. O simbionte ficou muito bom.
O filme de Ruben Fleischer tem bastante ação, uma dose considerável de brutalidade (que, todavia, não chega a impressionar e jamais justificaria a censura de dezoito anos, inicialmente pretendida) e um pouco de terror. Nesse quesito, a referência a Alien é interessante e a cena em que Eddie encontra a moradora de rua é muito boa, mas o longa poderia ter sido muito mais aterrorizante. Entretanto, o que fica claro é que a verdadeira preocupação era transmitir uma mensagem através de uma história de amizade. A amizade (syn) consiste na união entre Eddie e Venom, cuja trajetória é deveras previsível. A mensagem é também clichê: os seres humanos seriam parasitas da Terra (bios), planeta hospedeiro prestes a se extinguir graças a eles. “Venom” não surpreende nem decepciona, é apenas mais um filme baseado em HQs que em nada contribui para as telonas.
Em tempo: há duas cenas após os créditos. As duas são boas, mas muito diferentes.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.