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“MANÍACO DO PARQUE” – Agressões na narrativa

No fim da década de 1990, Francisco de Assis Pereira atraiu a atenção da mídia e gerou o medo na sociedade paulistana devido aos estupros e assassinatos que cometeu. Mulheres foram violentadas, assassinadas e tiveram seus corpos deixados no Parque do Ibirapuera em São Paulo. Condenado a trinta anos de prisão, ele já teve seus crimes transformados em livro e agora tem um longa metragem ficcional lançado no Amazon Prime Video em 2024. O MANÍACO DO PARQUE não pretende ser uma história no estilo de true crime como tantas já feitas nos últimos anos, porém não tem consciência das problemáticas contradições dos equívocos de seus núcleos, representações e narrativa.

(© Amazon Prime Video / Divulgação)

O motoboy Francisco faz entregas na capital paulista e adora patinar pelo centro. Além disso, leva várias mulheres para um parque com a promessa de trabalhar como modelos fotográficos. No local, as estupra e mata com grande crueldade. Quando os primeiros corpos são descobertos, os jornais estampam a cada novo dia uma manchete diferentes sobre os crimes. Elena é uma das jornalistas envolvidas no caso, não só para escrever as matérias para o Notícias Populares, mas também para ajudar a polícia a capturá-lo.

Em teoria, o diretor Mauricio Eça não define a perspectiva do assassino como eixo central dos acontecimentos narrados. Elena, interpretada por Giovanna Grigio, seria a protagonista para discutir a investigação do jornalismo policial em incidentes de grande repercussão e as distintas formas de violência sofridas pelas mulheres naquele universo de uma sociedade patriarcal. A busca pelo serial killer não consegue evitar a caricatura nem a superficialidade, sentindo a necessidade de emular os filmes policiais hollywoodianos. Como se trata de um processo investigativo, a personagem precisa encher a parede de uma casa com recortes, fotografias e outros materiais relacionados para demonstrar sua obsessão pelo caso e, mais tarde, destruir tudo em um rompante de fúria. E é preciso também inserir um passado inexpressivo para ela, sendo um eventual trauma ou uma tentativa de desvinculação do pai, citado apenas nas aparições didáticas e sem peso da irmã vivida por Mel Lisboa.

Há igualmente ao redor da personagem abordagens apressadas para problemas morais da imprensa. A pressa acaba por gerar um vazio muito grande, já que as críticas se tornam inofensivas ou carentes de maior peso dramático. O machismo subjacente à redação do jornal pela maneira condescendente com que Elena é tratada por Vicente e Zico, diretor e colega de trabalho, sempre é tangenciado sem ocupar tanto protagonismo na tela. A supervalorização dos interesses mercadológicos em detrimento de uma função social por Vicente é exibida em uma cena caricatural pelo modo como tudo precisa ser comunicado sem sutilezas, dando a impressão de que o público seria incapaz de entender o que se pretende fazer. E a espetacularização dos veículos de comunicação e de apresentadores apelativos de programas de televisão é jogada em meio à caçada a Francisco sem se debruçar sobre o tema, chegando a trazer o apresentador Gilberto Barros para uma pequena aparição apenas para uma surpresa efêmera ao vê-lo.

A intenção de não concentrar a narrativa no ponto de vista do assassino não se sustenta a uma análise mais detalhada. Mauricio Eça parece não se dar conta de que suas escolhas formais agridem o texto verbalizado no roteiro, sobretudo nas falas de Elena no sentido de lançar luz às vítimas para que não sejam mera estatística. O cineasta estiliza momentos em que Francisco está em cena, abrindo brechas para se pensar que o filme vibra com sua presença. É o que acontece com a insistência em colocar canções de rock nacional ou internacional para imprimir adrenalina em qualquer sequência, logo faltam minutos de respiro, de silêncio para uma trama já carregada. Além disso, a abertura é finalizada com um efeito visual que faz o sangue de uma das vítimas tomar conta da tela como um filtro de luz para simbolizar o título da produção. Da mesma forma que cria uma encenação excessivamente estilizada com implicações problemáticas, essas decisões também gritam um imenso desejo de emular a Hollywood dos anos 1990.

Se a perspectiva da narrativa não consegue se desvencilhar do criminoso, poderia haver alguns pontos positivos em sua representação. Contudo, a própria abordagem sofre com as contradições sucessivas. Por um lado, as tentativas de criar um perfil psicológico que explique os crimes sempre aparecem dentro de um didatismo superficial muito semelhante aos diagnósticos frágeis de um site não confiável na internet. A irmã de Elena entra em cena para tentar resumir todos os clichês que o cinema tem em relação a psicopatas e transtornos mentais. De outro lado, a repetição de que o assassino não demonstraria emoções intensas não é compreendida pelo próprio filme, já que a câmera de Mauricio Eça investiga cada traço do rosto de Silvero Pereira. A busca incontrolável por closes faz com que as expressões do personagem contradigam as informações apresentadas anteriormente, exibindo momentos de fúria ou de prazer. Como consequência, o ator não recebe orientações sólidas o suficiente para humanizar Francisco e evitar as caricaturas, por mais que se tente retratá-lo assim na imagem que a mãe tem dele e nas humilhações sofridas no trabalho.

Em determinado instante, Elena confronta Vicente afirmando que o jornalismo é fruto de ponto de vista e de escolha. A escrita de uma matéria depende do olhar que se pretende dar para a história a ser contada. “Maníaco do parque” não percebe a própria tese que a jornalista sustenta e a narrativa deveria apresentar. Teoricamente, o filme seria baseado na perspectiva das mulheres que foram vítimas. Na prática, todos os momentos em que essa abordagem poderia ser feita não recebem o devido valor, como as sequências em que as sobreviventes relatam o que passaram e Elena faz um discurso feminista para seu superior em relação à violência de gênero. Como resultado final, a obra assume majoritariamente a perspectiva de Francisco e de forma absolutamente problemática. Embora não admita formalmente, a narrativa agride suas próprias intenções e está mais preocupada com a história do assassino do que a trajetória das vítimas. É o que transparece no letreiro final que, mesmo não utilizando imagens reais para comprovar ser baseado em fatos, informa sobre a possibilidade de soltura do criminoso após os 30 anos de prisão.