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“HAPPY HOLIDAYS” – Divergências culturais, geracionais e de gênero [48 MICSP]

A partir de personagens que fogem dos moldes estereotípicos, mas servem como exemplos, HAPPY HOLIDAYS é um retrato de uma sociedade de enormes divergências culturais, geracionais e de gênero. Essas divergências, por sua vez, geram consequências que afastariam as personagens. O que o filme faz é justamente o contrário, amarrando-as narrativamente a despeito das diferenças e demonstrando até onde isso pode levar.

Rami é um palestino que precisa lidar com as consequências de ter engravidado Shirley, que é judia, e de sua mudança sobre fazer um aborto. Hanan, mãe de Rami, busca superar uma crise financeira, tendo esperança que o dinheiro do seguro decorrente de um acidente sofrido por Fifi, uma de suas filhas, poderá ajudar. O que Hanan não sabe é que Fifi guarda um segredo, assim como Miri, irmã de Shirley e mãe de Ori, ainda não sabe o segredo da irmã e o da própria filha.

A própria sinopse do longa deixa clara a sua complexa estrutura de roteiro. Scandar Copti não se destaca na direção, porém seu roteiro é primoroso. O que parece uma antologia, dada a divisão estrutural em capítulos, é na verdade um conjunto de narrativas distintas, com protagonistas diversos, mas que são conectadas de diferentes maneiras. É impressionante como Copti consegue amarrar bem as narrativas, de sorte que há entre elas uma sobreposição graças à cronologia (pois não há grande diferença entre os termos iniciais e finais respectivos) e do fato de as personagens fazerem parte de uma rede de interações.

Tudo começa com Rami engravidar Shirley: esta é irmã de Miri, aquele é filho de Hanan e irmão de Fifi. Laços afetivos ou sanguíneos unem as personagens principais, ocorrendo algo similar com os coadjuvantes. Em razão desse funcionamento como uma teia (e da cronologia praticamente simultânea), o que acontece em uma narrativa necessariamente reverbera na outra, o que faz com que elas se esclareçam mutuamente e façam um encaixe irrepreensível. Assim, por exemplo, as ligações recebidas por Rami e Shirley só fazem sentido no terceiro capítulo; o segundo capítulo só tem um desfecho efetivo quando acaba o quarto.

Essa costura entre as quatro narrativas é fruto, como mencionado, da cronologia paralela, bem como da rede formada pelas personagens. Existe, contudo, outra circunstância que as associa: um eixo temático comum, relativo aos valores. “Happy holidays” é um retrato social da divisão presente em Israel, um texto político que demonstra o quanto as fricções culturais, geracionais e de gênero podem afetar a vida de pessoas comuns. Salvo pelo didatismo exacerbado presente ao final, em que o filme se torna vocal em demasia, constata-se sempre uma segunda camada que vai além do que parece. O primeiro capítulo é sobre diferenças de gênero, mas também sobre o valor da família, ao menos para aquela personagem. O segundo tem uma protagonista orgulhosa, mas que é, acima de tudo, controladora em relação a tudo o que ocorre à sua volta. O penúltimo retorna com força na temática dos valores e demonstra o quão inflexível a sua protagonista consegue ser. O capítulo final expõe um choque geracional no qual o último plano tem um grande simbolismo.

O filme é construído a partir das idiossincrasias das personagens, o que significa que suas condutas se justificam por suas condições específicas. Elas funcionam como exemplos não estereotipados, aclarando o pensamento de setores sociais diferentes. É essa a proposta do longa. Com uma estética mais apurada para distinguir as narrativas, o filme seria uma obra-prima.

* Filme assistido durante a cobertura da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).