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“FOLHAS DE OUTONO” – Juntos [47 MICSP]

Parece que tudo conspira para o romance de Ansa e Holappa não dar certo. Circunstâncias externas e internas afastam o casal de FOLHAS DE OUTONO, que, ainda assim, se esforça para ficar junto. Delicado, o longa parece não pertencer a essa era ou a era alguma, é um romance cômico atemporal.

O filme acompanha Ansa e Holappa, que se conhecem por acaso em um karaokê em Helsinque. O acaso pode tê-los guiado ao primeiro, único e último amor de suas vidas, mas é também ele que pode impedi-los de concretizar esse amor.

(© Pandora Film / Divulgação)

Não há nada extraordinário nas vidas dos dois. São pessoas comuns que eventualmente saem para se divertir com seus (poucos) amigos, que são destratadas em seu trabalho e que possuem desafios pessoais a serem vencidos. No noticiário, ouvem-se apenas notícias sobre guerras; estaria o mundo à beira de um colapso? Quem sabe o amor seja o caminho para sair dessa realidade majoritariamente tóxica.

Essa possibilidade existe, mas não é fácil. Jussi Vatanen interpreta Holappa como um homem vulnerável, que tenta esconder a própria vulnerabilidade (ao tentar ocultar a bebida colocada no café), recusando-se a admiti-la como um problema (ao se retirar após o ultimato de Ansa). Por sua vez, Alma Pöysti tem em Ansa um papel com mais personalidade. Muitas vezes, ela é filmada em planos fechados olhando em direção ao longe, pensativa. Ansa é uma mulher traumatizada pela situação do pai e do irmão, generalizando a condição masculina, com humor, porque não há nada mais humano do que sentir raiva após uma decepção. Sua carência é bem solucionada ao adotar uma cachorra, que, diferentemente de Holappa, divide sua cama sem reclamar.

Enquanto romance cômico, a obra tem um lado dramático e outro humorístico. No lado dramático estão as constantes separações do casal, como se houvesse uma força maior impedindo-os de ficarem juntos. Um telefone perdido, um lapso por não perguntar o nome, uma falha inaceitável: fatores externos e internos dificultam a união. Mesmo quando aparadas as arestas, o distanciamento ocorre com a força de um furacão, porém a álea pode também estar, ocasionalmente, a favor dos dois. Naquela hipótese, bastam ao diretor e roteirista Aki Kaurismäki poucas imagens, poucos fades e um efeito sonoro essencial para simbolizar o furacão; nesta, uma cena com um breve diálogo é suficiente.

A direção é discreta, com poucos destaques formais. Na fotografia, há forte presença do vermelho (cortina e sofá da casa de Ansa) e do verde (paredes do quarto de Holappa); na trilha musical, é interessante como as letras das canções muitas vezes se encaixam de alguma forma na trama (em outras, apenas incrementam a atmosfera da cena, como é o caso de “Mambo italiano”, de Dean Martin). Kaurismäki precisa de pouco para falar muito. Por exemplo, jogar o prato e os talheres no lixo é um descarte simbólico; as “bitucas” de cigarro que Ansa vê no chão mostram que Holappa esteve no local de encontro. O lugar, inclusive, não poderia ser mais romântico; o cinema é representativo tanto do romance quanto do humor, com referências – ou mesmo reverências – a clássicos como Bresson e Godard de modo inusitado. No caso de Bresson, além de uma citação expressa, as atuações têm inspiração em seu estilo.

O humor de “Folhas de outono” é leve, encontrando em Huotari (Janne Hyytiäinen) um alívio cômico irretocável. O clima entre ele e Holappa é daquela amizade com provocações mútuas constantes, à base de diálogos bem divertidos. O lado cômico da película, porém, não está apenas no coadjuvante, mesmo Ansa exerce, conforme o momento, essa função (como ao se descrever “irmã de fé”).

A obra possui uma aura vintage, como se a trama pudesse ocorrer em períodos pretéritos da mesma forma como nas primeiras décadas do século XXI. A vida das personagens não é orientada pela tecnologia, o aparato tecnológico que faz diferença é o jukebox. Porém, as pessoas que estão no bar aparecem ouvindo música, fumando e bebendo, não raras vezes sem dialogar, afastados e alienados tal qual aqueles que, hodiernamente, não conseguem largar o celular por alguns instantes para ter uma conversa. Não é esse o caso de Ansa e Holappa, que querem conversar, não importa o assunto. Pode ser sobre a habilidade vocal de Huotari, sobre si mesmos ou sobre histórias inventadas (o sonho da Finlândia na Copa do Mundo). O importante é que estejam juntos.

* Filme assistido durante a cobertura da 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).