“YESTERDAY” – Beatles para quem não é fã dos Beatles
Talvez para os fãs dos Beatles, YESTERDAY (o filme, não a música, evidentemente) seja uma decepção. As maravilhosas canções da lendária banda estão sim presentes, mas não na íntegra e não estão no foco. Ao contrário do que a sinopse (abaixo) sugere, trata-se de apenas mais uma comédia romântica bastante edulcorada.
Jack Malik, o protagonista, é um músico aspirante a astro que tem a sorte de, após um acidente, ser a única pessoa do mundo que se lembra dos Beatles. Com essa exclusividade, ele se torna mundialmente famoso a partir das canções da banda, o que muda completamente a sua vida.
De maneira periférica, é possível extrair do roteiro Jack Barth e Richard Curtis ensinamentos sobre o desejo da fama e do sucesso. Algo como: “pode ser que você já tenha tudo de que precisa para ser feliz, apenas ainda não percebeu”. Seria uma mensagem piegas, não fosse esse, na verdade, o subtexto do longa. A questão da fama e da vida de astro se faz presente, mas de maneira discreta. Quando a personagem de Kate McKinnon aparece, tudo leva a crer que o assunto será melhor desenvolvido. Mas não, o script permanece raso na matéria.
Quando Jack enfrenta um dilema – que acaba se revelando o verdadeiro conflito do filme -, parece que a trama repetirá a trajetória de “La La Land”. Mas não: a película jamais teve o objetivo de ousar ou problematizar o próprio enredo. Em uma verdadeira crise identitária, a produção então se decide: é uma comédia romântica com pano de fundo musical (algo no estilo “Across the universe”, inclusive com a mesma inspiração).
Ultrapassada a questão da identidade, o roteiro se adéqua aos clichês e às superficialidades do gênero. Ou seja, um protagonista sem muitas camadas, um antagonismo que na prática reside nele mesmo (chama a atenção o fato de que nem mesmo o adversário romântico acaba sendo um adversário real) e coadjuvantes unidimensionais. Himesh Patel consegue dar carisma a Jack, deixando o humor para o roteiro e o romance para a Ellie de Lily James. No primeiro caso, as piadas, mesmo não hilárias, são funcionais e sagazes (inclusive sobre o “novo mundo” em que Jack se encontra, cuja ausência não se resume aos Beatles); no segundo, a atriz parece confortável como o mero interesse afetivo do herói – todavia, verdade seja dita, quando o papel demanda maior dramaticidade, ela vai bem.
Em meio a participações especiais agradáveis e surpreendentes (uma delas, muito agradável e muito surpreendente) – além de bem encaixadas na trama -, o coadjuvante de maior realce (depois de Ellie) é uma personagem irritante e sem graça, prejudicando a película sempre que aparece. Jack, porém, sustenta bem o papel principal e, por atributos extratextuais, mostra a transição de perdedor a superastro.
O filme de Danny Boyle tem uma pressa intimidadora no primeiro ato do filme, de modo que o incidente incitante (que induz a um conflito que não é o principal) surge rapidamente na narrativa. De certa forma, os dois primeiros atos assustam pela velocidade: a montagem de Jon Harris usa de cortes constantes e de raccords inesperados para dar ritmo aceleradíssimo à película. Há uso intenso de elipses até chegar à cena em que Jack canta a música que dá título ao longa. Nesse momento, perde-se a oportunidade de criar uma cena memorável, mais uma vez pelo excesso de cortes.
Boyle é um diretor que domina bem a linguagem cinematográfica e tem uma direção geralmente bem estilizada. “Yesterday” não é exceção, com plano holandês e sutis enquadramentos sugerindo found footage imprimindo dinamismo à película. Há poucas licenças poéticas, como na sequência de subjetividade mental em que aparece Eleanor Rigby. Visualmente, a montagem toma algum protagonismo (sequências elípticas e cortes rápidos, como já mencionados, e split screen no show em Moscou), mas há espaço para um design de produção competente (o quarto do protagonista revela muito da sua personalidade bagunçada e influenciada por ícones culturais) e um figurino bastante simbólico no que se refere à transformação pela qual Jack passa.
Não é possível dizer que “Yesterday” deixa de ser uma homenagem aos Beatles por não ser esse o seu foco. Conscientemente, Boyle não quer que a produção seja um musical, mas sim uma comédia romântica completamente inofensiva. A potência das canções é desperdiçada (salvo com a música que dá nome ao filme e com “All you need is love”) e pressuposta (parte-se da premissa que o espectador sabe o quão significativa a banda inglesa foi e a influência que continua exercendo), então, nesse ponto de vista, o filme deixa a desejar. Porém, da perspectiva do seu objetivo, ele satisfaz.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.