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“WICKED” – A magia não está nas externalidades

Dentre as várias mensagens de “O Mágico de Oz” (1939), a mais evidente é a da importância da amizade e da autodescoberta. A jornada de Dorothy e seus amigos demonstra que não é algo externo (coragem, coração ou inteligência) que solucionará seus problemas, mas o que encontram dentro de si no caminho trilhado. Seu prequel, WICKED, revela que as externalidades podem ser capazes de moldar as interações sociais, mas isso não necessariamente se reflete nas internalidades.

Duas novas estudantes chamam a atenção na Universidade de Shiz, na Terra de Oz. A primeira é Elphaba, uma jovem que sofre preconceito em razão da sua pele verde, mas gera interesse de uma professora por seus poderes. A outra é Glinda, que, ao contrário, é alegre e popular e nunca passou por isso. Juntas, talvez elas possam resolver os problemas de Oz.

(© Universal Pictures / Divulgação)

O longa, dirigido por Jon M. Chu, guarda uma fidelidade imensa em relação ao consagrado musical da Broadway (bem como ao clássico de 1939). Isso se dá tanto em sua trilha musical quanto no aspecto pictórico, traduzindo Oz como uma terra fantástica de muitas alegrias que, contudo, guarda segredos obscuros. Além de referências explícitas (os sapatos, a estrada de tijolos…) e Easter eggs (sendo o principal a breve participação de Kristin Chenoweth e Idina Menzel, eternizadas como Glinda e a Elphaba no melhor momento do musical na Broadway), existe a solidificação de um mundo mágico (coerente com suas origens), com um palavreado próprio (“linguificação”, “pronuncificação”) e uma mitologia própria (da qual a própria Shiz faz parte, parecendo por vezes uma Hogwarts a céu aberto).

O roteiro de Winnie Holzman e Dana Fox (que teve por base o livro de Gregory Maguire), a depender do momento da trama, torna turvas as fronteiras entre protagonista e antagonista. Ariana Grande é eficaz ao tornar Glinda irritante em razão da sua personalidade espaçosa, narcisista, egoísta e invejosa. Seu papel tem um quê de “Meninas malvadas” se considerado seu figurino sempre da cor rosa, o ego e a bajulação, mas tudo é reflexo de uma imaturidade e de uma criação privilegiada. Com o desenvolvimento narrativo, ela se torna apenas engraçada, como quando se joga dramaticamente na cama na recusa de Elphaba em revelar um segredo. O overacting combina com o papel, embora ela se torne cansativa. A situação de Cynthia Erivo (ótima, por sinal) é diferente, pois Elphaba é hostil apenas na superficialidade, sendo uma personagem muito mais complexa. Na dinâmica estabelecida pela trama, quem é bom pode na verdade ser mau ou pode não ser bom o tempo todo, o que dá um senso de realidade a uma narrativa fantástica.

Cheio de cores (exceto Elphaba, sempre com sua pele verde e geralmente com cores escuras, em especial preto), “Wicked” tem números musicais cuja maior virtude está nas canções. As coreografias coletivas são excelentes e a cena de “Dancing through life” é maravilhosa. Nessa cena, há muita criatividade no cenário não estático, todos os espaços são bem aproveitados, Jonathan Bailey dança incrivelmente como Fiyero (embora o ator tenha uma aparência envelhecida para o papel, sobretudo ao lado de Grande, problema que não ocorre com Erivo graças à maquiagem) e o pop impresso na canção é empolgante. Porém, em sua maioria, os números são relativamente modestos (talvez fiel demais à Broadway), com cenários de espaços restritos e pouco marcantes (“What is this feeling?” e “Sentimental man”) ou canções solitárias no estilo do musical “Yentl” (“The Wizard and I” e “I’m not that girl”). Ainda assim, seu poder está nas próprias músicas, seja por injetar mais emoção (como “Popular”), seja por sua força notável (como “Defying gravity”, quando a voz de Erivo tem grande impacto).

Como uma ironia, os números musicais grandiosos (“No one mourns the Wicked” e “One short day”), apesar da riqueza visual, não são encantadores. No fundo, o que é realmente importante não é o que é visto; pelo contrário, o que é visto é que gera a discriminação, tema central do longa. Isso ocorre não apenas com Elphaba, mas com, por exemplo, dr. Dillamond (Peter Dinklage), com quem ela se identifica. Mesmo sendo um musical fantástico alegre, a produção tem seus momentos sombrios, como ao associar o preconceito com o autoritarismo (a cena com a polícia) e com a alienação (a aula de História focada no futuro). Das diferenças imagéticas resulta a discriminação, que, por sua vez, leva a conflitos e hostilidades, ocultando internalidades de beleza imensurável. Quando Glinda deixou de apenas enxergar para também sentir, revelou uma beleza oculta, como ao favorecer Nessa (Marissa Bode) e, em especial, na magnífica cena de mimetização em Ozdust. Quanto a Elphaba, o mundo em que vive é mais difícil de se viver que o da amiga; sua trajetória é mais dura e os desafios enfrentados a tornaram mais forte. Nem por isso, todavia, ela deixou de sentir o que não sentem aqueles que se limitam a enxergar, a empatia. É nesse sentimento que reside a verdadeira magia, inatingível por qualquer externalidade, por mais bela que seja.

Em tempo: o filme tem duas horas e quarenta e é apenas a parte um. Por uma acertada escolha de marketing, o fato de haver uma continuação não foi amplamente divulgado. “Wicked”, de 2024, não alcançou o seu pleno potencial, mas talvez o melhor ainda esteja por vir. De todo modo, a beleza visual e a trilha justificam que seja visto no cinema.