“WANDAVISION” [1X01 E 1X02] – Possibilidades para os super-heróis
Há ainda no senso comum as expectativas de que as histórias de super-heróis precisam se enquadrar no gênero ação. Contudo, a Marvel experimentou outras abordagens em seu universo cinematográfico, como a trama de espionagem de “Capitão América 2: O Soldado Invernal” e a comédia escancarada de “Thor: Ragnarok“. Com a estreia de WANDAVISION na Disney+ e o lançamento dos dois primeiros episódios, as discussões sobre diferentes possibilidades de estilo prosseguem de modo mais explícito.
A premissa inicial ganha ares banais com personagens que não passam desapercebidos facilmente. Wanda (a Feiticeira Escarlate) e Visão se esforçam para ter uma vida comum e esconder seus poderes. Apesar de fingirem ser um típico casal dos anos 1950 vivendo em um subúrbio estadunidense, a dupla começa a suspeitar que nem tudo corre tão bem quanto esperavam. Conforme o tempo passa, eles não sabem mais o que é real e ficção e transitam pela Era de Ouro da TV nos EUA e pelo presente.
Em primeiro lugar, as marcas visuais da obra indicam que os super-heróis parecem habitar um mundo à parte. O criador Jac Schaeffer define que a narrativa emularia sitcoms estadunidenses dos anos 1950 e 1960, tendo como inspirações “I love Lucy“, “A feiticeira” e “Jeannie é um gênio“. Desde a abertura, o estilo dessas produções televisivas salta aos olhos quando o primeiro episódio se inicia com uma sequência musical e o segundo começa com um trecho de animação. E, à medida que a trama se desenvolve, outros aspectos estéticos coerentes aparecem: a fotografia em preto e branco, o humor ingênuo, a cura duração (cerca de trinta minutos), as trilhas de risadas ao fundo e as inserções de comerciais de objetos prosaicos (com easter eggs da Hydra e da família Stark). Assim, a Marvel busca outros padrões estilísticos que se distinguem dos filmes da empresa com inventividade.
Tais elementos visuais não se limitam a apelos forçados, já que as figuras do elenco são apropriadas para aquele universo específico. Em certa medida, os protagonistas não dialogariam com uma sitcom, mas Paul Bettany e Elizabeth Olsen fazem super-heróis existirem em um ambiente inesperado – ele é o “típico homem da casa” da década de 1950 que sai para trabalhar em um escritório e ela é a “cuidadora do lar” entregue às tarefas domésticas como a época impunha. Embora os arquétipos sejam esses, os dois atores usam seu bem-vindo timing cômico para subvertê-los: Visão tenta se comportar como um ser humano de verdade e não como uma máquina, e Wanda utiliza suas habilidades às escondidas nos momentos mais rotineiros, sempre extraindo humor do contraste entre vida comum e excepcionalidade do fantástico.
Mesmo que o universo diegético tenha uma lógica bem definida, a narrativa constrói a sensação gradual de que algo está fora do lugar para os protagonistas. As dinâmicas de Wanda e Visão com o casal Hart em um jantar e a interação de Wanda com Dottie se resolvem de maneiras inesperadas, interrompendo momentos em que suas identidades são questionadas e a percepção de que o universo seria real. Além disso, o jogo de cores também escancara o caráter artificial daquela realidade, fazendo contrastar a fotografia em preto e branco com o vermelho do sangue de Dottie e de um helicóptero perdido entre os arbustos. Acima de tudo, o desfecho do segundo episódio transmite essa impressão com o surgimento de uma figura incomum e a invasão de cores no plano.
O início de “WandaVision“, portanto, reúne grandes méritos capazes de justificar sua criação sem repetir as concepções estéticas dos filmes da Marvel. Ainda que easter eggs sejam colocados, são as particularidades da série que se destacam, em especial, o estilo do humor e a impregnação da energia de sitcom dos anos 1950 na narrativa. No entanto, a construção de uma atmosfera desencontrada que oculta algo (uma sensação de conspiração ou uma realidade forjada por Wanda) levanta dúvidas sobre a compreensão dos realizadores a respeito da abordagem das histórias de super-heróis fora do gênero ação (será que vem a afirmação de que trabalhar outro gênero seria uma falsa realidade?). Nos demais capítulos, a obra pode lidar com suas qualidades e com as interrogações acerca de sua unidade dramática.
Um resultado de todos os filmes que já viu.