“VOZES” – Influências do terror e do cinema
VOZES é uma produção espanhola que chegou à Netflix propondo uma experiência dupla em relação aos efeitos do terror e do cinema em geral. Em um primeiro nível, os personagens são influenciados pelo paranormal que assombra a trama; em um segundo nível, os espectadores são influenciados pela abordagem do gênero. Pode não ser uma perspectiva original, porém é um impacto que mostra suas influências tanto no universo ficcional quanto na experiência cinematográfica.
O ponto de partida é a mudança para uma nova casa da família formada pelo casal Daniel e Sara e pelo filho Eric. Os adultos trabalham reformando residências e revendendo-as, o que os leva a se mudar regularmente. No último local para onde eles vão, o menino começa a ouvir vozes e os pais acreditam se tratar somente de um transtorno psicológico. Essa percepção é logo abalada quando uma tragédia se abate sobre eles.
Inicialmente, há um descompasso entre as influências que os protagonistas e o público recebem. Com poucos minutos de filme, já vemos como Eric é afetado por eventos paranormais ouvindo pessoas misteriosas falarem com ele e insistirem para que desenhe o que escutou – portanto, somos colocados precocemente no meio da ação para sentir o peso da ameaça quando ocorre a primeira morte. Apesar do impacto de um horror gráfico, a construção narrativa para a revelação de imagens perturbadoras ainda é impessoal e de pouco alcance emocional – em termos técnicos, funciona como preparação do roteiro para algo que ainda virá, mas não tem tanto apelo dramático. De qualquer modo, o plano aéreo que sobrevoa uma piscina, os aparelhos elétricos, uma fratura na parede da casa e um grande número de moscas são pistas para se prestar atenção.
De certa forma, a narrativa leva algum tempo para engrenar por conta também das influências dramáticas propostas para o público. Para que o terror realmente se potencialize ao máximo, é importante desenvolver dramas e conflitos em torno dos personagens para promover a identificação que nos faça nos importar com eles. Nesse sentido, até os primeiros vinte e cinco minutos as inseguranças de Eric e a distância de Daniel de seu filho são subtextos tímidos e frágeis para dar estofo ao trio principal. A partir dessa minutagem, Ángel Gómez Hernández define a base emocional da história após mais uma morte, dessa vez surpreendente em sua imprevisibilidade: o fardo de precisar lidar com uma tragédia terrível, nem sempre com uma postura saudável e racional.
A partir desse momento, são estabelecidas convenções típicas de tramas sobre paranormalidade e casas mal-assombradas por entidade malignas. Elas são representadas pela entrada de Germán e Ruth em cena, pai e filha especialistas na investigação de imagens e sons do além. A pedido de Daniel, os dois examinam a natureza das vozes mencionadas por Eric e acabam por maximizar as forças do local perigosamente. Assim, os personagens se veem influenciados por uma atmosfera irreal (criada pela fotografia de Pablo Rosso) que deixa em dúvida o que é realidade ou manipulação de forças sobrenaturais. Já em relação à experiência de assistir à obra, o segundo ato libera estímulos sensoriais que possam chocar ou gerar espanto diante de novas mortes ou de planos angustiantes.
Mais à frente, o terceiro ato reafirma que personagens e espectadores são cada um à sua maneira sugestionados pelo horror daquela casa. À medida que as aparições se tornam mais explícitas no quadro, Daniel, Germán e Ruth são manipulados para enxergar o que, na verdade, não está ali, e agir de modo estranho para também se comportarem como ameaças para si mesmos. E quem está do outro lado da tela é condicionado a experimentar outros estímulos sensoriais característicos do cinema e do terror, atravessando o choque e a sensação de mistério até chegar à tensão e aos momentos de susto – interessante como o diretor propõe reações assim com uma abordagem sutil na movimentação da câmera e na composição dos planos, como “Invocação do mal”, mas também através do uso de jump scares além do timing tradicional.
Enquanto a abordagem de gênero encontra soluções interessantes, o desenvolvimento dramático mantém os impactos irregulares. Isso porque o arco de enfrentar as consequências de uma tragédia praticamente se esvazia na trajetória de Daniel, cabendo ao núcleo central investigar de forma convencional a natureza dos fenômenos paranormais; inclusive, Germán e Ruth deveriam passar por conflitos semelhantes a respeito de uma perda que tiveram, mas a narrativa não consegue integrar esse segmento coadjuvante à trama principal para dar importância a ele. Nem quando a clássica convenção de explicar a origem de um mal que habita a casa a partir de um passado brutal surge a base dramática se consolida, porque o elemento histórico associado à Espanha é inserido às pressas, caindo de paraquedas sem que seu potencial fosse totalmente explorado.
Segundo uma chave de leitura possível, “Vozes” procura colocar personagens e público em um lugar análogo: a condição de serem influenciados por fatos dramáticos da trama e estímulos sensoriais da narrativa (essa manipulação de emoções e atitudes é inerente ao cinema, embora o terror de casa mal-assombrada com eventos paranormais seja uma possibilidade de deixar tudo ainda mais explícito. Não são todas as influências propostas que funcionam, em especial as tentativas tímidas de desenhar conflitos emocionais, mas também decisões convenientes para o clímax (como tentar criar justificativas para separar os personagens). Ainda assim, algumas construções estéticas e reviravoltas do roteiro criam uma atmosfera atrativa, sendo a sequência final capaz de impactar e demonstrar que ao redor de nós influências de todo tipo se fazem presentes.
Um resultado de todos os filmes que já viu.