“VOX LUX – O PREÇO DA FAMA” – Os artistas da música merecem escárnio
“Não existem mais cantores como os de antigamente”. Essa frase, apesar de comum, pode parecer um mero saudosismo piegas. E talvez até o seja. Mas a ideia é similar à conclusão de VOX LUX – O PREÇO DA FAMA: o que os artistas que atuam no mundo da música fazem não é cantar, mas fornecer shows – dentro e fora dos palcos.
A artista que protagoniza o longa é Celeste, uma mulher predestinada ao estrelato. Quando adolescente, ela passa por um evento traumático, porém é a partir desse evento que ela começa a traçar seu caminho rumo à fama.
Interpretada de maneira magnífica por Natalie Portman, Celeste passa por uma transformação discreta da adolescência à fase adulta. A grande diferença é provavelmente a segurança sobre si, pois a versão de trinta e um anos dificilmente se abriria a um desconhecido como faz a de catorze. Por outro lado, enquanto esta é mais linear, aquela é uma verdadeira montanha-russa de humor, capaz de brigar com a irmã e pedir desculpas em minutos. O tique criado pela atriz para o papel, um movimento de ombros, ratifica a sua qualidade enquanto intérprete, mas não engrandece o papel, que – mesmo não sendo unidimensional – é aquém do seu talento.
Ao lado de Portman está Jude Law em um papel vazio e preguiçoso (inclusive em relação ao pífio envelhecimento feito pela equipe de maquiagem). O manager de Celeste, de nome irrelevante, reduz-se a proferir indiscriminadamente palavras de baixo calão e a controlar eventuais exageros da agenciada. Stacy Martin pode parecer apática enquanto Ellie, contudo é a sua discrição que combina com o perfil da personagem – afinal, ela é apenas a irmã da estrela. Raffey Cassidy vai muito bem nos dois papéis que vive, principalmente considerando que eles são muito diferentes.
O diretor e roteirista Brady Corbet tem uma ideia muito boa, cristalizada por uma sátira bem ácida, contudo seu trabalho no script é precário. A divisão em capítulos, considerando os nomes dados, no máximo permite extrair uma dispensável alusão à Bíblia, mais precisamente, a criação de uma Bíblia para alcançar o estrelato. O grande problema, todavia, reside na narração voice over: a despeito de aproveitar a marcante voz de Willem Dafoe, quebra flagrantemente uma regra básica do storytelling, conhecida como “show, don’t tell” (em tradução livre, “mostre, não conte”).
É sempre preferível mostrar um evento constante na história, para explorá-lo narrativamente, ao invés de simplesmente relatá-lo. Para isso existem várias ferramentas, como o flashback. Em “Vox Lux”, a narração utilizada não acrescenta nada à narrativa, facilitando o trabalho do próprio roteiro para expor determinados fatos. Se Celeste sofreu um acidente de trânsito, isso devia ser mostrado ao espectador, não comunicado friamente. Embora Corbet eventualmente use um interessante super slow motion quando coloca a narração – aliás, a manipulação temporal na direção deveria ter sido melhor explorada, como na cena em que Celeste se droga -, inquestionavelmente teria sido melhor mostrar ao invés de contar.
Na direção, o cineasta não compromete, acertando ao arriscar mais, por exemplo, no plano-sequência em que Celeste se prepara para uma conferência de imprensa. A cena da tragédia, inclusive, é excelente, mantendo o espectador com os olhos fixos no que acontece. Outro destaque positivo é o figurino, colocando muito brilho nas vestimentas de Celeste, combinando com o cabelo e com a maquiagem. No ato final, o visual pode parecer ridículo para os padrões normais, mas é justamente esse o objetivo.
“Vox Lux – o preço da fama” é uma exposição crítica, quase jocosa, dos podres do mundo da música. Trata-se, segundo o filme, de uma realidade onde impera a frivolidade e a irresponsabilidade, regrada, ainda, pela sorte. Quando Celeste cita Michelangelo para a sua filha, está fornecendo uma metáfora clara sobre esse (sub)mundo, explicando que o talento é irrelevante, pois o que importa é ter a sorte de encontrar um bom ângulo. É isso que alimenta atrito entre as irmãs, antes inseparáveis. Fora dos holofotes, as estrelas são detestáveis com estranhos que não querem lhes dar folga (como na cena do restaurante), mas também com aqueles que estão sempre próximos. Celeste diz expressamente que não quer que seu público pense muito, mas apenas “que as pessoas se sintam bem” com seu trabalho. É o que justifica a música genérica que não fala nada e entoada por playback, um espetáculo de luzes e dança, a multidão gritando, apelidos para os fãs e um discurso motivacional hipócrita. Ela não precisa se preocupar com atentados terroristas. Não precisa ser boa no que faz. Só precisa estar sempre em um bom ângulo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.