“VINGANÇA A SANGUE FRIO” – Felicidade quando se vai
Originalmente nomeado “Cold pursuit” (“Perseguição fria”, em tradução livre), VINGANÇA A SANGUE FRIO consegue duas proezas pouco comuns. A primeira é a compatibilidade maior do nome brasileiro quando comparado ao original. A segunda é ter um roteiro que exemplifica os maiores erros dos roteiros.
Tendo como premissa uma história de vingança, o longa conta a história de um homem comum que vai atrás dos responsáveis pela morte de seu filho. O que ele acaba descobrindo é que os autores do crime são poderosos traficantes de drogas.
Não é difícil perceber que o plot não é minimamente original: há uma infinidade de filmes com a mesma premissa, dos pouco conhecidos (como “O fim da escuridão”) aos que ensejaram sequências (como “O protetor”). É também inevitável não pensar em “Busca implacável”: a ideia governante é a mesma (justiça é aquela feita com as próprias mãos) e, assim como o longa de 2008, “Vingança a sangue frio” também conta com Liam Neeson como personagem principal.
Depois de interpretar Bryan Mills, Neeson especializou-se em filmes no estilo “exército de um homem só”, como “Desconhecido”, “Sem escalas”, “Caçada mortal”, “Noite sem fim”, “O passageiro” e, claro, as duas continuações de “Busca implacável”. Porém, o ator já tinha seu talento mundialmente reconhecido, no mínimo, desde 1993, no clássico “A lista de Schindler”. Além disso, seria injusto avaliar sua carreira recente como resumida a filmes semelhantes, pois ele tem um currículo consideravelmente variado – “Silêncio”, “Sete minutos depois da meia-noite”, “Mark Felt: o homem que derrubou a Casa Branca”, “The ballad of Buster Scruggs” e “As viúvas” comprovam que ele aceita desafios (mesmo que nem todos os filmes sejam bons).
Feita essa síntese da filmografia de Neeson, a grande questão é: o que “Vingança a sangue frio” apresenta de inovador ao público e que pode gerar interesse? A resposta não poderia ser mais simples: nada. E o que é ruim na película? Melhor dispensar uma lista demasiado extensa.
Como filme maniqueísta que se propõe, o longa tem vários vilões, alguns mais malvados que outros, e um antagonista principal vergonhosamente caricatural – com contribuição de seu intérprete, Tom Bateman, incapaz de soar natural. Isso quando “Viking” não é contraditório, por exemplo ao se considerar honesto por valorizar a palavra dada (isso o legitima a matar?) ou quando aconselha o filho a responder os bullies com violência ao mesmo tempo em que quer que o inteligente garoto tenha uma alimentação saudável (que norte moral é esse?).
Por mais que o script tenha preocupações estruturais certas (como ao mostrar Nels se livrando dos corpos), é certamente um texto inflado e, por via de consequência, confuso e desnorteado. Estão lá: uma subtrama de policiais inútil (e estereotipada, no estilo policial bom versus policial mau); uma mãe cujo arco dramático em nada acrescenta à narrativa, outra mãe nada convincente (o que Laura Dern faz ali? Por que some tão fácil? Seria vergonha do papel?); um coadjuvante (o “Esquimó”) cuja aparição é ferramenta frágil para facilitar revelações na trama (quando a sugestão é de algo maior); e uma criança mais inteligente que todos os adultos juntos (contudo, seu desfecho bizarro beira um atentado contra a lucidez do público). Outro problema é um subplot ideologicamente progressista, que, todavia, se reduz a uma cena (surpreendente, sem dúvida, já que não é comumente vista em filmes do gênero), mostra clara que é mero instrumento para justificar um previsibilíssimo plot twist.
O humor do longa é sem graça e geralmente nonsense (qual a função narrativa do jovem esperando a camareira?) – o mesmo ocorre com seu bagunçado encerramento (por exemplo, dando espaço aos indígenas em detrimento do suposto protagonista Nels), conclusão que expõe o quão débil é o roteiro de Kim Fupz Aakeson, que se baseou na obra original de Hans Petter Moland. Em última análise, o filme foge do seu foco e não consegue transmitir qualquer mensagem minimamente eficaz.
É Moland que dirige a película, abusando em medidas extremas de neve, sangue e violência (esta, na maioria das vezes gratuita). Os simbolismos do diretor são simplistas (como as abotoaduras de Nels), salvo nos signos referentes às incontáveis mortes das personagens (estrela de Davi, cruz etc.), ironicamente dando-lhes mais personalidade que o próprio roteiro.
“Alguns causam felicidade aonde quer que vão; outros, quando se vão”: é essa frase de Oscar Wilde que inicia “Vingança a sangue frio”. Provavelmente, a referência é à própria produção: a felicidade ocorre apenas quando ela acaba.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.