“VIDEOPHOBIA” – Terror tão contemporâneo assim?
* Filme assistido na plataforma da FILMICCA (clique aqui para acessar a página).
De que formas os filmes de terror podem se relacionar com a sensação de medo? É preciso provocá-la diretamente no espectador através de alguma ameaça explícita (um assassino, monstro ou espírito)? Pode ser evocada por alguma construção psicológica indireta e alegórica? Está ligada a outros sentimentos, como tensão e repulsa? E, principalmente, precisa ser idêntica para todos os públicos? Muitas dessas perguntas emergem de VIDEOPHOBIA, produção japonesa sobre os horrores contemporâneos de alvos já antigos.
A fonte do medo é algo tipicamente moderna: o risco à exposição na internet em função da falta de privacidade. Já a pessoa aterrorizada faz parte de uma parcela da sociedade abusada desde os primórdios da história da humanidade: uma jovem mulher. Yu se envolveu casualmente com um rapaz que conheceu em uma festa e foi para o apartamento dele, onde eles fizeram sexo. Dias depois, ela descobre que uma gravação não consentida da relação sexual foi publicada na internet. A partir daí, entra em uma crise profunda que a faz perder aspectos pessoais e sociais de sua identidade.
Na primeira cena, o diretor Daisuke Miyazaki já sugere a melancolia que toma conta da protagonista e o abuso que pode vir da tecnologia. Yu se despe e se masturba em frente ao computador enquanto um rapaz assiste, tendo em sua face o semblante doloroso de quem sofre em fazer aquilo, mas ainda assim faz. Conforme o tempo passa e a câmera acompanha o cotidiano da jovem, o efeito da abertura se consolida nos diversos momentos em que ela parece estar alheia à sua família e às outras pessoas com quem convive. A personalidade melancólica pode ser sentida quando trabalha vestida como mascote em frente a uma loja (teoricamente precisando demonstrar entusiasmo), observa os atritos familiares entre uma irmã dependente do celular e uma tia aficionada pela Copa do Mundo de futebol e tenta fazer um exercício na companhia de teatro onde estuda. O olhar perdido, o mesmo tom de voz neutro e o controle tão grande das emoções por parte da atriz Sumire Ashina reforçam a ideia de que a personagem já se sente desconfortável com a vida que tem e com o mundo que a abriga.
Acompanhar Yu pelas ruas de sua cidade e pelas atividades de sua vida também é melancólico. Isso porque o cineasta e o diretor de fotografia Yasutaka Watanabe propõem uma encenação minimalista da relação entre personagens e espaços. As sequências são relativamente longas e prosaicas, muitas delas tendo eventos triviais como o simples caminhar pela região e a observação contemplativa do ambiente ao redor. E a fotografia, que já foi comparada aos filmes de Chris Marker, como “La Jetée“, apresenta um contraste expressivo do preto e branco, representativo da melancolia da protagonista e da contradição entre uma cidade agitada por moradores, turistas, trabalhadores e artigos tecnológicos e uma jovem taciturna Então, a construção formal da narrativa propicia um estudo meditativo sobre a solidão e os vazios existenciais na contemporaneidade. No entanto, a progressão de diversas sequências dentro desse estilo se afastam do minimalismo depressivo e se tornam ecos repetitivos de sensações ou ideias já estabelecidas que dialogam pouco com o conflito principal inserido posteriormente.
Se a reflexão for direcionada para as diferentes relações que diferentes públicos podem estabelecer com o medo em filmes de terror, “Videophobia” pode ser um exemplo significativo. Espectadores homens podem questionar se não se trataria de um drama ou de um suspense, qualquer um desses gêneros cinematográficos menos terror. Porém, espectadoras mulheres podem ter outro impacto com a obra, especialmente por compartilharem o horror de ter sua intimidade exposta em sociedades patriarcais que julgam e reprimem o feminino sob uma mentalidade conservadora e moralista. Nesse sentido, a descoberta de que um vídeo íntimo está disponível em um site erótico desencadeia medos e apreensões em Yu, lentamente construídos a partir da percepção de uma câmera portátil em cima de um armário, do desaparecimento do mesmo objeto no dia seguinte e da visualização do vídeo na internet sob ângulos variados. Como se pode perceber, o horror passa a se conectar com a imagem digital produzida por aparelhos técnicos e enraizada em qualquer dimensão da sociedade.
É bem verdade que a narrativa não encena as consequências da exposição à tecnologia de forma acelerada, intensa ou explícita. O minimalismo meditativo segue sendo a característica central de uma narrativa interessada pelo contraste entre as benesses proporcionadas pelos avanços tecnológicos ou a aceleração do modo de vida e as formas de violência multiplicadas pelo desenvolvimento técnico ou a desestabilização das emoções dos indivíduos. Mesmo a tecnologia cumprindo um papel importante para o terror que atinge a protagonista, Daisuke Miyazaki não propõe tantas sequências em que esse elemento esteja no centro da dramaturgia ou da construção visual. Uma exceção fica por conta do momento em que a jovem caminha pela rua e seu olhar alcança muitas câmeras espalhadas pelos prédios como se fosse filmada o tempo inteiro. Como a proposta temática e estética passa pela opressão tecnológica sobre a intimidade e a identidade, poucas sequências que trabalhem a questão acaba sendo um ponto desfavorável à criação de uma unidade estilística efetiva.
Na realidade, o filme desenvolve os desdobramentos do conflito principal em torno da ideia de que Yu fica totalmente desorientada quanto ao que fazer após a exposição indevida. As reações emocionais são muito controladas, a família não parece ser uma referência de ajuda tão grande, a assistência legal pelos meios tradicionais não parece eficiente e o apoio emocional com outras pessoas em situações similares deixa uma impressão insuficiente. Nada melhor do que observar as sequências em que a protagonista se sente desamparada pela atuação burocrática da policial frente ao caso e perdida com uma terapia em grupo incapaz de dar uma atenção real às individualidades de cada um dos presentes. Levando em consideração a falta de alternativas que parecessem viáveis e satisfatórias para a jovem, é possível compreender um pouco mais a atitude extrema que resolve tomar também envolvendo a exposição pública de sua imagem. Ainda que “Videophobia” também ajude a pensar que o medo em filmes de terror pode ser atmosférico e minimalista, a narrativa dá atenção preponderante apenas a uma das duas dimensões de sua unidade estilística (fragilização emocional em detrimento do peso da tecnologia), deixando assim uma experiência curiosamente fragmentária.
Um resultado de todos os filmes que já viu.