“UMA FAMÍLIA EXTRAORDINÁRIA” – A mesmice dos laços improváveis
As famílias disfuncionais parecem encontrar um lugar seguro no cinema. Apesar da complexidade que podem assumir no campo real, são muitas as lentes que se sensibilizam por seus formadores. Distante de um código ético regido por normas sociais, a sétima arte autoriza a relativização de determinados laços, processo que tem caído em uma espécie de lugar comum. UMA FAMÍLIA EXTRAORDINÁRIA se afilia ao cômico para reforçar essa comodidade.
Após sofrer um acidente que a coloca em coma, a jovem Bea Johnson navega por memórias para tentar compreender o ocorrido. Guiando a história de sua vida, ela narra causos da família Johnson enquanto pensa sobre a própria existência.
Dirigido por Matt Smukler, o filme parte do voice off da atriz Kiernan Shipka para nos adaptar aos parentes, revestindo com carisma traços estranhos de suas personalidades. É uma estratégia funcional que permite a identificação com a protagonista, espelho e consciência metafórica dos espectadores que agora a acompanham.
Se em um primeiro momento essa escolha didatiza o projeto, encadeando acontecimentos cruciais na lógica de um compilado de esquetes, a ferramenta tenta logo aprofundar os rostos que testemunha. Não que isso anuncie uma pretensão maior que a almejada pelo projeto, mas é interessante como as digressões de Bea passam a suspender aquilo que é narrado. Por mais que não interfira na objetividade das ações retratadas, é como se a sua onisciência divagasse sobre a própria opinião para com os familiares, refletindo sobre a importância dos vestígios emocionais deixados sobre ela. Figuras caricatas se revelam dúbias, e seguir os laços deteriorados se torna mais interessante.
Não há como identificar, todavia, um alinhamento entre essa tentativa dramática e a unidade formal do projeto. A projeção do peso sobre as sequências no presente e no passado, por exemplo, se assenta quase a mesma. Inexiste uma diferenciação plástica sequer, diminuindo a intensidade de sequências mais sóbrias que ali se escondem entre os alívios cômicos.
Isso mergulha o projeto em um patamar difícil de se compreender, especialmente se pensado o seu passado. Baseada em fatos reais, a trama em questão deu embalsamento ao longe de estreia de Matt Smukler, um documentário de mesmo nome. Pela proximidade que o mesmo carrega com os personagens objetos, poderia se esperar um retrato mais sensível para com aquelas figuras.
Não que falte sensibilidade na construção de respeito para com as presenças verdadeiras, mas justamente no sentido da higienização de seus traços. Ainda que distantes da impressão inicial, tudo acaba ancorado pelo lugar comum, se retroalimentando em um ciclo de piadas que em pouco utilizam com a grande liberdade que um narrador pouco confiável poderia ter a oferecer.
Desse modo, “Uma família extraordinária” permanece no lugar comum, e ainda que não ambicione ser maior do que é, frustra ao abrir mão de uma complexidade de figuras satisfatoriamente prometida pouco após o início. Apesar das boas risadas, pouco há de extraordinário aqui.