“UM ESTRANHO NO NINHO” – A vida que não vale a pena ser vivida
Atribui-se a Sócrates a frase “uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida”. Por analogia, UM ESTRANHO NO NINHO leva a concluir que uma vida sem diversão é a que não vale a pena ser vivida. A vida de rotina rígida, inflexível e sem pequenos prazeres pode, talvez, servir para os loucos, mas certamente não para Randle Patrick McMurphy.
McMurphy é um criminoso cumprindo pena que, para não trabalhar, finge estar mentalmente enfermo para ser internado em uma instituição psiquiátrica. O que ele encara como um local para férias tranquilas se torna um encarceramento mais duro que a prisão, o que faz com que ele estimule os colegas internos a se revoltarem contra as regras da enfermeira-chefe Ratched. O filme acompanha, então, o cabo de guerra entre os dois.
A relação entre Mildred (Ratched, a enfermeira) e (o detento) McMurphy é o fio condutor narrativo e o centro das atenções do requintado roteiro de Bo Goldman e Lawrence Hauben (que se basearam no livro de Ken Kesey). Em trabalho excelente, Louise Fletcher faz de Mildred uma profissional séria e rígida, que parece encarar tudo em sua vida com sobriedade (traduzido imageticamente pelo casaco preto usado por cima do uniforme quando entra e sai do trabalho, contraposto ao casaco rosado de outra enfermeira). Parece que ela leva o trabalho com alguma devoção, já que considera que McMurphy precisa ser tratado na instituição – outra interpretação possível, contudo, é que ela encara suas provocações de maneira pessoal (e que por isso não quer se livrar dele). De todo modo, quando coloca seu uniforme, Ratched é a encarnação da seriedade, a despeito dos inúmeros desacatos.
Jack Nicholson é brilhante como o incendiário McMurphy. Esperto, ele testa os limites de todos que estão ao seu redor. Ao saber que um colega (o Chefe) é surdo, tenta obter dele uma reação. Dissimulado, age sempre como em um tabuleiro de xadrez no qual seu objetivo é tirar alguma vantagem. Na primeira conversa com o médico da instituição, tira o foco de si e fala sobre uma fotografia que pega na mesa do profissional. Sarcástico, minimiza o que faz de mau (seus crimes) e ironiza o que lhe é feito de mau (a eletroconvulsão). Apostador, transforma a sala de banho em um cassino (palavras de Ratched). Sua característica mais relevante, porém, é sua personalidade subversiva. É da desordem que nasce a alegria de viver (ainda que a partir de uma ilusão, como a narração esportiva com uma televisão desligada).
“Um estranho no ninho” começa com a ideia de um homem são que finge insanidade para se beneficiar, mas termina como uma mensagem em favor dos pequenos (ou às vezes não tão pequenos) prazeres. McMurphy quer viver aquilo que considera que faz parte de uma vida boa (é essa a sua moral individual, ignorando, evidentemente, seus atos pretéritos, que não podem ser avaliados): sexo, dinheiro, tabaco e esporte. O que ele não aceita é que, em razão justamente dos atos pretéritos, não possa gozar dessas alegrias (por isso que tenta se evadir de qualquer tipo de punição). Ratched, diversamente, não se importa em dar alegrias aos internos, se importa em manter a ordem no local. O conflito entre os dois decorre dos diferentes objetivos que adotam. Na primeira conversa da terapia em grupo, enquanto um interno, mais passivo (não por outra razão, o que tem a menor simpatia de McMurphy), usa uma camisa quadriculada (o que transmite a sensação de encarceramento), McMurphy está de camiseta verde (símbolo visual da sua postura beligerante).
O design de produção do espetacular diretor Milos Forman fortalece a ideia de Ratched sobre a instituição. Prevalecem, assim, cores claras e recintos de pequeno espaço (o que inclui a área técnica, atrás de um vidro), além de um amplo corredor no qual a saída parece distante (com a porta ao fundo). A “hora do remédio” demonstra uma mise en scène fenomenal: enquanto Ratched monitora as atividades, outra enfermeira fornece aos internos os medicamentos (caso não queiram via oral, existem outras possibilidades, como a enfermeira-chefe ressalta), tudo ao som de uma belíssima valsa – a “Meditation valse”, composta por Jack Nitzsche, responsável pela boa trilha do longa (na qual se destaca também “Bus ride to paradise”). A valsa acaba por representar a rotina, jamais o deleite.
McMurphy representa uma ideia. Alguns, como Martini (Danny DeVito) apenas entram em um efeito manada; outros, como Taber (Christopher Lloyd) começam a sentir o gosto do divertimento; mas há os que cultivam muito bem a semente plantada por McMurphy. É o caso, em especial, de Cheswick (Sydney Lassick), de Billy (Brad Dourif) e do Chefe (Will Sampson). Cheswick simplesmente explode ao perceber que é privado do que quer e pode ter. Billy encara um conflito interno extremamente doloroso. O Chefe, paradoxalmente, é o que melhor resume a bandeira levantada por McMurphy, que, para ele, é grande como o seu pai porque sabe e procura fazer o que quer (ou seja, seu conceito de grandeza não é físico, mas metafórico e associado à vontade). Foi o Chefe quem melhor percebeu que não vale a pena ter uma vida de pura privação. Talvez quem estivesse fora do lugar fosse Ratched.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.