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“TWISTERS” – O voo da vaca

A imagem de uma vaca voando eternizou “Twister”, de 1996. Pode parecer pouco, mas essa imagem tem um simbolismo que transcende o próprio filme ao tornar o bizarro algo inesquecível. O longa certamente não está entre os melhores da década de 1990, é dotado de limitações. Porém, ele tem virtudes que faltam em TWISTERS (além do cômico voo da vaca).

Kate é uma cientista que persegue tornados para o progresso da ciência. Justamente por isso, ela despreza Tyler, que também persegue tornados, mas para fins de entretenimento em seu canal no YouTube. Quando começam a se conhecer melhor, eles descobrem que não são tão diferentes quanto parecem.

(© Warner Bros. / Divulgação)

Depois do drama “Minari: em busca da felicidade”, Lee Isaac Chung passou para o gênero ação com um episódio da série “The Mandalorian” e, agora, com “Twisters”. É natural esperar que um filme-catástrofe como este seja repleto de cenas de ação empolgantes. Elas existem, todavia não são suficientemente épicas. Isso decorre, primeiro, do fato de que, exceto pelo primeiro e pelo último, a destruição causada pelos tornados é diminuta, na medida em que apenas aquele e este geram maiores repercussões, sobretudo do ponto de vista humano. A cena da piscina também é muito boa e causa alguma tensão, mas incorre em outro problema, que marca um dos maiores equívocos da direção: o demasiado uso de planos fechados.

Enquadramentos fechados servem para transmitir claustrofobia, o que é funcional na cena do prólogo e na da piscina, contudo devem ser utilizados de maneira módica em um filme-catástrofe, sob pena de minar a própria obra. Sem ver a proporção colossal do tornado, o medo cai vertiginosamente, de modo que ele parece mais uma ventania forte que carrega algumas coisas – mas incapaz, contudo, de levantar uma vaca. Na filmagem em primeira pessoa também os planos fechados são adequados, mas falta ao longa planos gerais em que seja possível ver, e até mesmo admirar, a pujança da natureza. Em certo momento, Tyler menciona que a medida de um tornado (F0, F1, F2 etc.) é pela destruição que causa, não pela velocidade dos ventos. Chung leva isso ao pé da letra, privilegiando mais o rastro de destruição, para chocar o espectador, ao invés da própria atuação dos tornados.

Isso significa que o foco não está na atividade dos tornados enquanto acontecem – embora isso seja mostrado -, mas nas suas repercussões. Prova disso está no design de som, que conta com um ritmo country-rock que ofusca por completo os ruídos diegéticos. Em outras palavras, ouve-se mais esse tipo de música, inclusive em momentos inapropriados (como na cena dos barris), do que músicas ou ruídos capazes de elevar o medo. Isso se relaciona com duas conclusões que tornam o roteiro de Mark L. Smith (elaborado a partir da história de Joseph Kosinski, que se baseou na criação de 1996 de Michael Crichton e Anne-Marie Martin) um pouco incongruente.

A primeira conclusão é que o que importa é a adrenalina, não a adrenalina do medo, tal qual o pavor do ótimo Ben (Harry Hadden-Paton), mas uma adrenalina que se justifica a si mesma. Nesse caso, a valorização do heroísmo e a preocupação em salvar vidas se torna piada de mau gosto, pois as personagens estão em uma atmosfera que transmite diversão. Uma contestação seria a de que Kate (Daisy Edgar-Jones) seria uma cientista, o que inclusive justifica o desgosto em relação a Tyler (Glen Powell). Porém a protagonista é hipócrita nessa crítica, dado que também demonstrava se divertir antes de tudo em sua atividade (fazendo também vídeos em primeira pessoa, também razoavelmente descontraídos e sem rigor científico). Além disso, é curioso que Kate defenda que, ao invés de prosseguir na pesquisa para evitar novas catástrofes, seu dever moral é ajudar as vítimas, inclusive abandonando, súbita e momentaneamente, a pesquisa. Há um profícuo, porém não aproveitado, debate ético, na medida em que, se Kate muda os planos de enfrentar um tornado para ajudar essas vítimas, ela permanecerá em uma espiral de auxílio material pós-desastre ao invés de, um dia, evitar novos desastres.

Narrativamente óbvio, a produção se preocupa demais com explicações verborrágicas pseudocientíficas. Deveria, ao revés, simplificar o progresso narrativo. No lado humano, enquanto Ben representa a sanidade, Tyler é uma celebridade de aventura cuja mudança de espírito é pouco convincente. Kate, por sua vez, tem um drama que erode com alguma facilidade, tornando-o tão vazio quanto a atuação de Edgar-Jones. Tyler é, inclusive, uma personagem muito mais completa, seja pelo eloquente figurino (caricato, mas funcional), seja por um backstory apto a explicar o fascínio pelos tornados, o que lamentavelmente não ocorre com Kate. Em “Twister”, a protagonista tinha uma motivação pessoal e uma metafísica (além de um bom desempenho da atriz). Em “Twisters”, sobra apenas uma motivação metafísica clichê do tipo “fazer do mundo um lugar melhor”. Isso tudo em meio a longos diálogos expositivos (para um filme de ação) e quadros fechados permeados por chuva, granizo, neblina, sujeira e o que mais aparecer no caminho, menos uma vaca. Aliás, se tivesse uma vaca voando, a produção de 2024 ao menos seria descompromissada e, principalmente, divertida, como a de 1996.