“TURMA DA MÔNICA: LAÇOS” – O universo das crianças
O universo lúdico criado nas páginas dos gibis escritos por Maurício de Sousa acompanhou gerações de crianças que tomaram gosto pela leitura, graças às histórias da Turma da Mônica. Nada mais justo, então, que o filme TURMA DA MÔNICA: LAÇOS comece de uma animação que emula os rabiscos de um desenho em quadrinho para ganhar a vida real do live action, preservando a essência do seu universo.
Como adaptação da graphic novel homônima, a aventura é, ao mesmo tempo, uma narrativa com vida própria para o cinema sendo divertida, lúdica e simpática, ainda que simples, e uma homenagem aos quadrinhos clássicos retomando vários elementos marcantes. Na transposição para a tela grande, o cão Floquinho do Cebolinha desapareceu durante à noite, obrigando seu dono a criar um plano infalível para encontrá-lo. Para isso, ele precisará contar com a ajuda de seus três melhores amigos: Cascão, Mônica e Magali. O grupo sai em uma jornada sem a companhia dos pais e, por isso, sujeito aos desafios da procura do animal de estimação.
O público familiarizado com os personagens e detalhes do universo pode perceber rapidamente seus traços célebres, especialmente devido à primeira sequência que apresenta bem a personalidade das quatro crianças. Durante a execução de um plano infalível do Cebolinha para se apoderar do coelho de pelúcia Sansão pertencente à Mônica, é possível, por exemplo, identificar que Cebolinha troca a letra “r” pela letra “l”, tem um cachorro verde chamado Floquinho e uma relação de amor e ódio com Mônica. Além disso, esse menino é apresentado como alguém que se acha um líder muito inteligente (apesar das constantes falhas de seus planos para ser dono da Lua ao pegar Sansão) e não costuma ouvir as opiniões dos outros; a menina é descrita como alguém intempestiva, que não aceita ser chamada de dentuça, baixinha e gordinha e reage batendo nos outros com seu coelho; Cascão, como um garoto descrente dos planos do amigo e que não toma banho por medo de água; e Magali, como uma amiga próxima da Mônica e dona de uma fome ininterrupta.
O diretor Daniel Rezende também estabelece as características das crianças através de recursos visuais e momentos simbólicos. As cores específicas de cada personagem são marcantes e atribuídas aos figurinos e objetos cênicos ao seu redor, sendo o verde para Cebolinha, o vermelho para Mônica, o amarelo para Magali e o amarelo somado ao quadriculado vermelho e preto para Cascão. Já os temores ou marcas de personalidade são indicados por sequências construídas com esse propósito, como o medo do Cascão ser ilustrado por uma ocasião em que deve atravessar o banheiro molhado para pegar uma capa; a fome contínua de Magali ser representada pela volumosa refeição feita antes de ajudar na procura do cão; o apego da Mônica ao Sansão ser exibido em cenas em que se vê a menina agarrada ao brinquedo; e o carinho não declarado entre ela e Cebolinha na cena em que tocam as mãos.
Algo também muito presente nas histórias escritas por Maurício de Sousa é o aspecto lúdico de uma ingenuidade que não subestima as crianças. No filme, algumas passagens tornam a narrativa leve e desapegada de uma base excessivamente realista: as cenas de briga com Cebolinha e Cascão ou com meninos mais velhos em que Mônica atira Sansão; a distância entre os jovens e os pais, porque estes não escutam seus filhos durante a procura de Floquinho, sem depender de nada dramático ou conflituoso; a aventura pela floresta em que os quatro amigos discutem, conversam, brincam e se ajudam; as aparições do personagem de Rodrigo Santoro, um “louco” que parece ser um vaga-lume que assume forma humana e age de forma mágica, fazendo ilusionismos com o próprio corpo e objetos próximos – é interessante notar como algumas cenas são dirigidas para transparecer um aspecto nada realista (o primeiro plano de Cebolinha para pegar Sansão) e evidenciam um efeito sonoro cartunesco (a pressão da Mônica irritada segurando firme o bicho de pelúcia.
Enquanto os aspectos estéticos complementam a caracterização dos personagens e do universo, a trama ajuda a desenvolver arcos e temas não necessariamente originais, mas eficientes e bem trabalhados. O desafio de percorrer a floresta sozinho e enfrentar um ladrão faz com que as crianças lidem com seus medos e defeitos, como Magali resistir à vontade de comer uma melancia para cumprir sua parte no plano de resgate; Cascão encarar um ambiente repleto de água para proteger os amigos; Mônica controlar o temperamento e não começar uma briga atirando Sansão; e Cebolinha aceitar que um plano infalível pode ser simplesmente combinar diferentes opiniões e trabalhar em equipe. O carisma do elenco infantil, competente na medida certa para evocar os traços dos personagens, e a metáfora dos laços citada pelo personagem de Rodrigo Santoro e pela canção “Laços“, composta por Tiago Iorc, sintetizam o arco principal da valorização da amizade passado por todos eles.
Com a conclusão da aventura e a percepção de seu significado para os quatro personagens, “Turma da Mônica: Laços” retorna às suas origens. Encerra-se a narrativa mostrando novamente rabiscos simples dos desenhos de Cebolinha, Cascão, Mônica e Magali sob o formato de uma animação que reafirma de onde a história veio e no que ela quis se tornar: uma combinação entre o crescimento pessoal das crianças e a permanência de sua essência infantil, que pode ser simplesmente um novo plano infalível para capturar um bicho de pelúcia.
Um resultado de todos os filmes que já viu.