“TROCA DE RAINHAS” [FVCF/2018] – Revisitando a História
Visitar o século XVIII pode ser uma experiência bastante curiosa. TROCA DE RAINHAS constitui uma aprazível experiência de reconstrução de dados históricos bem idiossincráticos daquela época. Basicamente, a trama relata os acontecimentos posteriores à morte de Luís XIV (o “Rei Sol”), mais especificamente uma negociação política envolvendo o casamento entre nobres franceses e espanhóis para cessar a guerra envolvendo os dois países. De um lado, Luís XV, pré-adolescente, se casaria com Mariana Vitória de Bourbon, ainda mais nova. Enquanto aquele, bisneto do Rei Sol, aguardava a sua coroação como novo rei francês (até a maioridade real, ou seja, treze anos), Filipe II, Duque d’Orleães, assume a administração do país enquanto regente. A filha de Filipe II, Luísa Isabel de Orleães, por outro lado, vai para a Espanha e se casa com Luís I, filho do rei espanhol, Filipe V – que é pai de Mariana Vitória.
Em síntese, a filha do rei espanhol se casa com o rei(zinho) francês e a filha do regente francês se casa com o filho do rei espanhol. Assim, todos ficam felizes – menos os envolvidos, é claro. Como de costume, o nome brasileiro é equivocado: não houve uma troca de rainhas, mas de princesas, tanto que o nome original é “L’echange des princesses” (“A troca das princesas”, em tradução livre). O que permeia o plot é a relação íntima entre casamento e política, justificando matrimônios mesmo na infância.
Os quatro envolvidos são muito diferentes e reagem de forma também distinta. A única que não compreende exatamente o que acontece é Mariana Vitória, em razão da idade. A Infanta da Espanha é pura candura com a atuação fascinante de Juliane Lepoureau. A pequena imprime com destreza a ingenuidade pueril inerente ao papel, fazendo-o nos atos tipicamente infantis, como brincar em um balanço, mas também em atos que não condizem com a sua idade (ao menos no olhar ocidental contemporâneo), como assinar um contrato de casamento.
Os mais novos são destaque maior. Igor Van Dessel interpreta Luís XV, talvez a personagem mais desenvolvida. Ignorando eventuais diferenças entre a História e a história – pelo que parece, o longa foi bastante fidedigno -, chama a atenção o fato de o menino ter a noção de que, se não fossem os mortos, ele não seria rei (afinal, é bisneto do antecessor) e teria a própria infância – ou seja, ele sabe que perde a infância ao assumir o que para ele é um fardo, mesmo que invejado por muitos. Porém, mesmo tentando se afastar da imagem infantojuvenil, seus atos ainda são de uma criança, como a indignação ao perder sua governanta, Mme. de Ventadour (Catherine Mouchet, expressiva, ainda que com pouco espaço), e o entendimento de que o Conselho de Regência é uma punição para a sua gata de estimação. Ocorre, enfim, uma antecipação forçada de seu amadurecimento, o que ele aceita. Luís XV é curioso – uma de suas dúvidas, por exemplo, é se os “prazeres da carne” (das quais não havia desfrutado, evidentemente) são tão bons quanto os da caça – e Van Dessel é excelente ao transmitir tristeza e desânimo no encargo que a personagem assume.
O arco espanhol é consideravelmente mais morno, ainda que Lambert Wilson seja o responsável por dar vida a Filipe V, um religioso deveras enigmático em relação a alguns atos controversos. Favorável à autopunição, é cômico (novamente, no olhar ocidental hodierno) ver como a cruel caça aos hereges, do qual é entusiasta, não o qualifica como bárbaro. Wilson não é muito aproveitado, assim como ocorre com o inigualável Olivier Gourmet, que vive o Duque d’Orleães. Afinal, o foco é nos mais jovens – e, no núcleo espanhol, são adolescentes, não crianças. Anamaria Vartolomei interpreta Luísa Isabel, noiva braba e de personalidade forte, extremamente indignada por ser forçada pelo pai a se casar com o príncipe espanhol que sequer conhece. Kacey Mottet Klein, por sua vez, é Luís I, jovem vulnerável cujo objetivo de vida passa a ser conquistar a esposa – em parte, por um interesse autêntico e pessoal, mas também muito para não decepcionar o pai, até porque ele sabe que tem a obrigação de gerar herdeiros.
Marc Dugain consegue extrair da obra o Zeitgeist europeu oitocentista: o diretor ressalta as tradições mecânicas (como a troca de vestimenta), os rituais burocráticos (como o encontro entre as noivas) e as atividades que fascinam a juventude (a caça quase como o videogame hoje). Tematicamente, é enfatizada a importância de ter herdeiros, bem como as doenças que estão sempre à espreita e que ainda são bastante desconhecidas da medicina. A fotografia escurecida também faz bastante sentido, já que a iluminação da época dependia de velas e luz natural. Como não podia deixar de ser, a direção de arte é magnífica, com figurino pomposo, perucas, bengalas e carruagens como os retratos já conhecidos. O resultado de tudo isso é uma imersão eficaz e uma empolgante revisitação da História.
Filme assistido no Festival Varilux de Cinema Francês 2018.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.