“TOY STORY” – Cheirinho bom de infância
A Pixar marcou seu nome na história das animações ao dar vida a seres inanimados ou humanizar outros seres vivos. Algo assim já ocorreu com robôs, ratos, peixes, emoções humanas, brinquedos etc., a partir de histórias que comoveram e divertiram públicos das mais diferentes idades. Um dos marcos da trajetória brilhante da empresa foi o lançamento em 1995 de TOY STORY, um trabalho de saudação à infância.
O primeiro filme trabalha a diversão e o humor para contar uma aventura singela, simpática e envolvente, mas nem por isso menos eficaz em seus propósitos narrativos e visuais: humanizar os brinquedos de uma criança e, assim, enaltecer a infância. Para isso, o enredo mostra o nervosismo dos bonecos do menino Andy com o aniversário dele e o medo de vir um brinquedo que os substitua, especialmente do caubói Woody. Quando a criança ganha o patrulheiro espacial Buzz Lightyear, Woody se sente preterido e enciumado a ponto de tomar uma atitude que o coloca em uma aventura.
A humanização salta aos olhos, primeiramente, com o design visual dos bonecos, criados completamente por computação gráfica (o primeiro filme na história realizado por inteiro com a tecnologia) e donos de personalidades e detalhes físicos particulares. Woody é o caubói com a indumentária (botas, chapéu, cinto, armas na cintura…) e a liderança própria de sua caracterização que o faz organizar os demais; Buzz é o patrulheiro espacial confiante de sua missão de proteger a galáxia e imponente com seus apetrechos modernos (asas, rádio comunicador e arma laser); senhor Cabeça de Batata é ranzinza, tem um senso de humor peculiar e constantemente perde as peças de seu rosto de modo cômico; Slink é o cachorro leal e fiel escudeiro de Woody feito de molas que se esticam; Rex é o dinossauro doce e sensível que se opõe ao que sua forma física sugere; e os soldadinhos têm a postura disciplinada do Exército e se movimentam como se estivessem marchando. Mesmo em 2019, esse design sobreviveu ao tempo, o que não acontece com a caracterização dos seres humanos, pouco realista.
É possível também se identificar com os brinquedos graças ao universo e às situações dos quais fazem parte. Andy brinca com eles imaginando várias diferentes aventuras, mas quando o menino e outros seres humanos não estão próximos, os bonecos se mostram seres com vida própria que organizam as tarefas entre si e sentem preocupações: fazem reuniões para decidir o parceiro de viagem na mudança de casa, se ajudam para reparar eventuais defeitos uns dos outros, têm seus bordões específicos (de Woody a frase gravada “tem uma cobra na minha bota” e de Buzz a fala “ao infinito e além“) e temem a chegada de algum novo brinquedo que atraia a atenção do seu dono. Por conta dessa apreensão, duas sequências divertidíssimas exibem suas reações quando o menino recebe presentes no aniversário e no Natal.
O conflito central, inclusive, aborda o medo quanto a uma eventual substituição no coração e nas brincadeiras de Andy. O sentimento atormenta Woody, o predileto do garoto até a chegada de Buzz, porque este brinquedo é mais moderno e significaria a superação do velho pelo novo. A trajetória do caubói o faz temer o recém-chegado, preferir que ele não estivesse ali e agir tão imprudentemente que se arrepende pouco depois – o arco do personagem também o humaniza porque mostra emoções muito humanas, como o medo da rejeição, a inveja diante de alguém com qualidades, o ciúme causado pelo sentimento de posse em relação a Andy e a impulsividade de uma ação impensada e mal calculada.
Há outro arco narrativo que reforça a humanização em outros níveis. O percurso de Buzz inclui a crença de ser realmente um patrulheiro espacial, as piadas feitas pelos outros personagens sobre sua certeza (como ser perguntando onde foi fabricado), a descoberta de sua real natureza que o incomoda e entristece inicialmente e a compreensão de seu significado para Andy. Woody e Buzz atravessam uma jornada para reconhecer sua importância como brinquedos do menino e os responsáveis por sua diversão. Até perceberem isso, o contraste representado por Syd, um vizinho que “tortura” os brinquedos, serve para indicar como a relação entre uma criança e seus brinquedos deveria ser positiva e agradável (o design do seu quarto é ilustrativo do medo que o personagem evoca).
“Toy story” desenvolve vários elementos apesar dos poucos 81 minutos, comprovando como a direção de John Lasseter confere dinamismo à produção e aproveita cada cena e aspecto narrativo para mover a história. A trilha sonora é composta por canções muito expressivas, como “You’ve got a friend in me” e “I will go sailing no more” para representar, respectivamente, as relações entre Woody e Andy e a reviravolta na vida de Buzz. Outro acerto é a vivacidade da dublagem, tanto nas vozes originais quanto na versão brasileira, com nomes como Tom Hanks, Tim Allen, Marco Ribeiro e Guilherme Briggs. É a partir da junção de tantas virtudes que o filme ainda estabelece até hoje lanços fortes com o público que está vivendo ou já viveu sua infância e está sentindo ou já sentiu o apego por seus brinquedos.
Um resultado de todos os filmes que já viu.