“TOP GUN: MAVERICK” – O que há de mais humano no ser humano
Em 1986, “Top Gun” (clique aqui para ler a nossa crítica) teve como Leitmotiv a marcante “Take my breath away” (“tire o meu fôlego”, em tradução livre), da banda Berlin. Por sua vez, “Hold my hand” (“segure a minha mão”), da cantora Lady Gaga, é a canção principal da sua continuação, TOP GUN: MAVERICK, de 2022. Como se fosse um diálogo entre o antigo e o atual, as duas músicas se conectam (inclusive em seus títulos) em uma obra que, como elas, enaltece de maneira poética o que há de mais humano no ser humano.
Apesar de um extenso currículo de condecorações e medalhas, o capitão Pete “Maverick” Mitchell não alcançou o posto que, com a sua experiência, já poderia ter alcançado. Depois de desafiar um almirante, ele retorna à academia em que se formou, não mais como piloto, mas como instrutor. Sua tarefa é orientar um grupo para uma missão difícil e arriscada, com uma dificuldade a mais: um dos jovens é o filho de seu falecido amigo Goose, com quem ele não tem um bom relacionamento.
Miles Teller ficou responsável por viver o tenente Bradley “Rooster” Bradshaw, alguém que nutre mágoas contra Maverick pelos eventos do primeiro filme e outros que são, aos poucos, revelados. Ao lado de Teller estão outros jovens como Monica Barbaro, Lewis Pullman e Glen Powell, todos com papéis de reduzida relevância. Mesmo Penny (Jennifer Connelly), par romântico de Maverick, não tem um arco narrativo próprio (no máximo, um esboço). Não se trata, todavia, de uma falha no roteiro escrito por Ehren Kruger, Eric Warren Singer e Christopher McQuarrie. Assim como o diretor Joseph Kosinski, eles sabem que, em um filme protagonizado por Tom Cruise, todos que estão próximos do astro são meros satélites que em torno dele orbitam, sem brilho próprio.
Não surpreende que dentre os roteiristas esteja McQuarrie, responsável por dirigir e escrever “Efeito fallout” e “Nação secreta”, dois capítulos da franquia “Missão: impossível” (clique aqui e aqui para ler as nossas críticas) que reforçaram o status de Cruise em ótimos filmes de ação. De maneira similar a eles, “Maverick” é um episódio de ação de tirar o fôlego na filmografia do ator. Os planos-detalhes revelam o quão real é tudo aquilo, com um ritmo muito bem dosado também pela montagem. Kosinski emprega o lado dramático do plot para aliviar a adrenalina despejada sem assumir que o drama é pretexto para a ação. Ainda assim, Cruise entrega um de seus melhores trabalhos recentes de atuação, compartilhando o valor afetivo que “Top Gun” tem para ele.
O segundo filme mantém com o primeiro um vínculo narrativo estreito, o que é aproveitado pelo diretor ao se apropriar daquilo que o antecessor tem de melhor. De maneira subliminar, é verdade, remanescem alguns elementos questionáveis, como o patriotismo acrítico – que fazia sentido em tempos de Guerra Fria, sendo discutível a representação dos EUA como mantenedor da ordem global em 2022 – e a masculinidade glorificada – que justifica as teorias de que o longa seria uma metáfora para a homossexualidade reprimida. Esses elementos não são ressignificados, mas perdem força por mudanças sutis: no primeiro exemplo, o discurso de Maverick obscurece as questões meramente bélicas; no segundo, mesmo a exposição de corpos masculinos musculosos e seminus na contraluz de uma fotografia alaranjada tem propósito narrativo (no caso, faz parte do treino).
Não há um completo descarte do que foi feito antes, mas um aprimoramento romântico. Voltam as camisetas brancas apertadas e os jeans azulados; retorna a empolgante “Danger zone” (Kenny Loggins) para inflamar o público antes mesmo de a trama se iniciar. A nostalgia é um motor, mas não isolado. O que é mais pulsante em “Top Gun: Maverick”, entretanto, é a sua visão benevolente sobre a humanidade. Ao invés de focar na necessidade de soluções bélicas para (possíveis) conflitos ou mesmo naqueles com maior poder decisório nesses conflitos, o longa dirige os holofotes para os pilotos – não enquanto personagens, mas enquanto pessoas de potencial ilimitado justamente por serem pessoas.
Maverick não deixa de encarnar uma masculinidade datada, porém seu discurso é muito oportuno. Nas suas palavras, “não é o avião, é o piloto”. É possível que, em 1986, não houvesse grandes preocupações sobre a substituibilidade do material humano. O que o herói do filme ressalta é que, em alguns aspectos, não é possível subtrair o ser humano. Maverick se torna um verdadeiro dissidente, como diz seu apelido, por não se conformar com ideias prontas – principalmente a de que a fatalidade é um risco aceitável e a de que confiar nos próprios instintos é inaceitável. Não há nada mais humano do que prezar por viver e assumir o irracional.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.