“TOP GUN: ASES INDOMÁVEIS” – A aliança entre uma estrela e uma música
Poucos filmes conseguiram ingressar na cultura pop com a força com que TOP GUN: ASES INDOMÁVEIS, de 1986, conseguiu – sobretudo em se tratando de um longa de qualidade, no máximo, razoável. Com um texto raso e cenas geralmente medíocres, o que o torna memorável não é a abordagem de seu tema principal, a autoconfiança, mas a presença de um dos maiores astros de Hollywood em seu primeiro grande papel, assim como sua marcante música-tema.
Pete Mitchell, também conhecido como Maverick, é um jovem piloto da Marinha que ingressa na Academia Aérea “Top Gun” para se tornar piloto de caça. Enquanto se prepara para ser o melhor, acaba conhecendo Charlotte, por quem se apaixona, e Kazansky, um rival difícil de ser superado.
Baseado em um artigo de Ehud Yonay, os roteiristas Jim Cash e Jack Epps Jr. elaboram um texto cujo tema central é a autoconfiança, porém demonstram incapacidade em dar-lhe profundidade. A trajetória de Maverick não poderia ser mais simplória: inicialmente exibido, pouco responsável e seguro em excesso, ocorre um evento na vida do protagonista que o faz ir ao extremo oposto, o que acaba sendo a ponte para o seu amadurecimento. Maverick é arrogante e não se intimida face a superiores hierárquicos ou colegas, porém seu arco dramático é alheio à noção de humildade para fazê-lo moderar na confiança em si mesmo.
Tom Cruise encontra em “Top Gun” o primeiro papel que lhe deu o status de estrela. Seus papéis anteriores, de 1983 (em “Negócio arriscado” e “A chance”), o tratavam quase como adolescente, enquanto “A lenda”, de 1985, certamente não está entre os trabalhos mais lembrados de Ridley Scott. Maverick é seu primeiro papel adulto em um filme capaz de ficar na memória do espectador, ou seja, não é seu primeiro papel de protagonista, mas é seu primeiro grande papel. A personagem não exige muito dele, que compreende que precisa incorporar um galanteador herói de filme de ação sem muitas camadas. Ao seu lado está Kelly McGillis como o interesse amoroso de Maverick, havendo boa química entre os dois. Entretanto, a posição de poder que Charlotte poderia exercer perante ele é desperdiçada por completo pelo roteiro, esvaziando bastante a personagem. No caso do vilão, não é culpa de Val Kilmer que Iceman faça jus ao nome: o antagonista é distante e quase sem relevância.
Mesmo que Cruise e McGillis mostrem entrosamento, é certamente a música-tema do romance que convence a plateia. “Take my breath away”, de Berlin, foi um enorme sucesso em sua época e a associação entre a Leitmotiv e o longa é automática. O filme a utiliza de maneira progressiva (instrumental antes do canto), de modo que a canção exerce brilhantemente o papel de comentar. O diretor Tony Scott cria cenas de ação satisfatórias no céu, porém as músicas que as acompanham (as instrumentais) parecem saídas de um videogame de aventura, indicativo que o papel emotivo não é bem exercido pela trilha musical. Quanto ao papel narrativo, a opção pelo rock é coerente com o perfil do protagonista, usualmente em sua motocicleta quando não está pilotando, uma associação que constitui um clichê, mas que é funcional.
Existe um subtexto patriótico na obra, todavia ele não é graficamente aproveitado. A estética visual da produção tem seu ápice na fotografia, cujo céu ora azulado, ora alaranjado, é de uma beleza estonteante. Chama a atenção a utilização de silhuetas para dar contornos diferenciados a objetos de desejo: nos minutos iniciais, com os caças; adiante, na cena íntima do casal principal. Ainda mais chamativo, por outro lado, é o homoerotismo latente na película, porquanto os pilotos aparecem em diversas cenas suados, apenas de toalha ou mesmo de cueca, sempre desnecessariamente e sem função narrativa. Por exemplo, não há razão alguma para, pouco depois do clímax dramático, Viper (Tom Skerritt) conversar com o herói no banheiro enquanto ele está seminu. É evidente o intuito de sexualizar os atores, principalmente Cruise, contudo a maneira como isso é feito, repetida e descaradamente, recai em um tom cômico não intencional.
O que fica guardado em “Top Gun” é uma aura quase mística de representação de uma juventude indômita. Ainda que Maverick mude um pouco a sua personalidade em razão do amadurecimento, ele permanece sendo a materialização do jovem ávido por aventuras heroicas e disposto a assumir quaisquer riscos. O perfil já não era inédito na época, mas foi solidificado na cultura pop em razão da aliança entre uma estrela (que estava nascendo) e uma música (que iria se eternizar).
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.