“TINNITUS” – A pretensão que supera o todo
A autoexploração é sempre bem vinda dentro do cinema. Munidas de intersecções entre a fantasia e a realidade, as representações audiovisuais pode sempre explorar a identidade humana, trazendo interessantes conflitos entre a intimidade e a ilustração. Embora peque em articular todos os seus ideais, é interessante como TINNITUS estiliza essa questão.
Imersa na expectativa de se tornar uma grande esportista olímpica, a mergulhadora Marina nunca esteve tão perto de seu sonho. Quando um atordoante zumbido passa a atrapalhar a sua carreira, ela se vê forçada a reinventar completamente a sua vida, questionando a relação com o marido e com Luísa, a sua ex-parceira de salto.
Trabalhando essa sonoridade como um desequilíbrio com a própria forma de ser, chama a atenção como o diretor Gregório Graziosi trabalha os seus planos. Regendo composições bastante formalistas, ele manipula bem à dimensão plástica de seus quadros, ciente do distanciamento entre as suas camadas mais primárias e as mais profundas. É como se abstraísse esse ideal do “mergulho”, exigindo o mesmo do espectador na investigação dos códigos visuais.
Essa sua associação a um cinema mais formalista é bem verificada no trabalho de cores – que em um determinado plano sugere o intercâmbio de personalidades entre duas personagens, por exemplo – e, essencialmente, na administração de linhas espaciais, que separam ou unificam personagens conforme o seu momento emocional. Isso tudo aponta para um cineasta que confia em sua síntese visual, carregando-a de liberdades linguísticas e que em muito contribuem para esse deslocamento entre espírito e corpo.
Tal princípio ganha uma complexidade ainda maior quando relacionado ao campo sonoro. Incapaz de compreender até que ponto o tinnitus ultrapassa a sua biologia e se manifesta psiquicamente, Marina arranja um emprego provisório como sereia de aquário. A precarização desse símbolo mitológico fala sobre o seu aprisionamento em um estado dúbio entre a impressão e a certeza. Na matéria da sonoridade, ou seja, daquilo que sequer pode se traduzir em matéria, esse é ainda mais dificultado.
O conflito está ali, dessa forma, sugerido e dado em enquadramentos distantes do que tem sido feito no atual cenário da cinematografia brasileira. O problema surge na tentativa de costurar essas questões à trajetória de suas personagens, cujas relações nem sempre são dinâmicas. Não que houvesse a obrigação de uma construção arredondada desses aspectos, mas ao se assumir como um filme também focado em seus rostos, acaba falhando no comprometimento aos mesmos.
Embora sejam interessantes as provocações entre Joana de Verona – atriz de Marina – e a talentosa ex-parceira interpretada por Indira Nascimento, por exemplo, existem ausências fundamentais no passado entre as duas. Isso torna menos crível a rixa entre ambas, fragilizando o envolvimento com uma adversidade tão associada à criação da protagonista como personalidade.
O mesmo se verifica na conclusão do relacionamento e o marido, que embora se fragmente com um propósito bem estabelecido, é munido de uma complexidade que a obra se mostra incapaz de administrar. A impressão que sobra é a de um diretor atormentado por uma rica coleção de simbolismos visuais, e que o levam a uma criação imagética maior que o próprio conjunto da produção, nunca se fechando em torno de si mesma.
Embora essa abordagem seja uma possível escolha – e ainda ofereça uma ousadia muito bem vinda dentro do estado contemporâneo da massificação artística – existe uma intimidade muito íntima do próprio Gregório que enfraquece o alcance de seus discursos. Em contrapartida, entretanto, a própria artificialidade do todo oferece um grau de auto reconhecimento, e que leva o filme para uma curiosa dualidade entre a performance e a essência.
Como um todo, Tinnitus é inovador na forma como compõe a sua retratação visual do Brasil e seus dilemas, especialmente os voltados a forma feminina de ser. Munido de escolhas linguísticas bastante interessantes, acaba consagrado mais como experimento do que qualquer outra coisa, incapaz de bem equilibrar a criação de personagens e a ambição de seu cineasta. Nem por isso deixa de ser menos intrigante na forma como fala da relação entre o ser e o desconhecido, e indica uma voz que ainda alcançará muitos patamares dentro da produção nacional.