“TIME” – Transições
TIME é um documentário sobre alternâncias. São diferentes e múltiplos os vaivéns que compõem a trajetória de Fox Rich, matriarca que luta para manter sua família unida enquanto o marido está preso por assalto a banco. Ao longo de vinte anos, ela cuida praticamente sozinha dos filhos e simultaneamente se esforça para ter Robert de volta. A partir dessa história real, o filme transita entre passado e presente, estilo documental e ficcional, espontaneidade e rigor técnico.
Inicialmente, a diretora Garrett Bradley faz a narrativa se mover entre o passado desde a prisão de Robert e o presente (vinte anos após o fato) com a mobilização de Fox Rich para libertar o esposo. No período mais distante, é possível ver na abertura o monólogo da protagonista para reunir forças que a façam enfrentar o duro caminho à sua frente; além disso, cenas prosaicas de mãe e filhos se desenrolam no primeiro dia de escola do menino mais velho e em passeios a uma piscina e a um parque de diversões. No período atual, momentos cotidianos de vidas forçadas a buscar algum meio de sustento se somam aos esforços da matriarca para levar o sistema judicial a rever a pena – nesse aspecto, os trechos em que ela aparece no trabalho e em que a narração em voice over é ilustrada por um pântano soam como exposição didática ou desvios da intimidade do cenário familiar pretendida pela obra.
Visualmente, as duas temporalidades também se alternam. Os acontecimentos pretéritos são captados por equipamentos amadores, ou seja, uma filmagem caseira que escancara a rugosidade das imagens. Tal recurso demonstra que a família já tinha como tradição filmar sua convivência em ocasiões específicas e, em seguida, se torna uma forma de registrar momentos para o pai assistir no futuro (por exemplo, simbolizada quando Fox filma o banco vazio do carro onde seu marido estaria). Já os fatos recentes são registrados pela documentarista com a tecnologia digital que retira as granulações da imagem, mas sugere um rigor técnico e uma construção estética disciplinada sem a espontaneidade tão expressiva para a dimensão íntima do documentário – essa encenação calculada e formal não é sempre artificial, já que os longos planos em que a protagonista busca por notícias em telefonemas evocam a dor de longos vinte anos.
A alternância entre elementos distintos, portanto, não se limita ao vaivém cronológico e encontra a combinação do documental e do ficcional. Dentro das convenções mais esperadas para esse tipo de produção, a narrativa precisaria trabalhar um senso de “realidade”, o que é feito na jornada de Fox enquanto luta contra as mazelas do sistema carcerário dos EUA. É significativo acompanhar a ampliação de escala de um caso particular que se relaciona com o tratamento desumano da população negra pela justiça norte-americana (revistas vexatórias, restrições a direitos jurídicos e preconceito disfarçado de burocracia). Porém, a escolha de priorizar a experiência sensorial da mulher faz com que a narrativa trate superficialmente o contexto social que levou ao assalto ao banco e não situe as etapas do caso de Robert – sem esses elementos a intimidade com aquelas pessoas não se fortalece ainda mais.
Se tais passagens remetem a uma abordagem documental relativamente mais clássica, a presença dos filhos do casal desperta uma dimensão poética principalmente ao abordar o peso da passagem do tempo sobre a família. As sequências são pensadas para ressaltar a subjetividade da experiência temporal: Fox nota o transcorrer de vinte anos também nas mudanças corporais dos filhos; a mãe teme que os gêmeos caçulas completem dezoito anos e não conheçam o pai; os filhos seguem seus estudos sentindo falta do apoio do pai ou até guiando suas decisões profissionais em função da tragédia familiar; e uma das crianças precisou amadurecer precocemente ainda na primeira infância para ajudar a mãe. Desse modo, o presente emociona ao se mostrar comprometido pelo passado que jamais poderá ser esquecido.
Comparando-se os dois períodos enfocados, as filmagens caseiras são mais tocantes ao terem a espontaneidade de momentos íntimos criados sem a preocupação do enquadramento mais preciso ou a construção mais elaborada. Isso porque as composições de Garrett Bradley no presente apostam em uma simetria formalista que, por uma perspectiva poderia simbolizar o olhar de fora a contar a história daquela família, mas também poderia diminuir a naturalidade das reações emocionais do público (algo que não acontecia nas primeiras cenas). Além disso, a condução do piano na trilha sonora parece um recurso convencional para emocionar, que se revela menos criativo do que a opção pela fotografia em preto e branco evocativa de uma melancolia em relação à ausência de Robert e aos desdobramentos da distância forçada do pai e marido.
O documentário se propõe a ser uma experiência íntima e emocional, apesar de conter também comentários sociais sobre o sistema judicial e carcerário dos EUA. Nesse sentido, o que mais importa em análises e reflexões sobre “Time” se refere aos mecanismos utilizados para desencadear estímulos sensoriais em face dos obstáculos enfrentados pela família Rich. Logo, a falta de espontaneidade e a encenação meticulosa de um clímax dentro de moldes ficcionais não têm o mesmo impacto que o uso expressivo das filmagens caseiras nas sequências finais. Nessa conclusão, a intimidade da família se encontra com a intervenção criativa da realizadora para simbolizar o desejo impossível de retroceder aquelas vidas para deixá-las novamente se desenvolver na companhia uma da outra.
Um resultado de todos os filmes que já viu.