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“TILL – A BUSCA POR JUSTIÇA” – Impessoalidades e transpessoalidades

A mais importante lição presente em TILL – A BUSCA POR JUSTIÇA é demonstrada de maneira discreta. Essa discrição é resultado de um sufocamento operado pelo doloroso episódio real no qual o filme se baseia. Sua fragilidade está justamente em se amparar mais na tragédia fática – cujo forte impacto emocional é acachapante – do que na ideia de que é essa tragédia que leciona um senso do coletivo a partir de impessoalidades e transpessoalidades.

Em 1955, Emmett Till, também conhecido como Bo, está empolgado para sair de Chicago por uma semana para passar as férias com seus primos no Mississipi. Apesar dos alertas de sua mãe, Mamie, de que os negros sofrem ainda mais racismo no outro estado, Bo acaba sendo vítima de uma tragédia que impulsiona Mamie a buscar a responsabilização dos envolvidos.

(© UNIVERSAL PICTURES / Divulgação)

A sinopse permite prever que o drama da obra é aquele reconhecível a partir de outras similares (“Mudbound – lágrimas sobre o Mississipi” e “Luta por justiça”, dentre outros). Não é à toa que a melhor parte do filme é anterior à tragédia, principalmente quando é estabelecida a docíssima relação mãe-filho. Esta é a melhor parte não por não ter o peso dramático (ainda que o spinning shot em que os dois cantam e dançam seja muito agradável), mas porque destoa do viés engessado de uma espiral de tristeza ruminada. Antes da tragédia, Bo aparece como uma personagem interessante (e parte do mérito deve ser atribuído ao seu intérprete, Jalyn Hall); depois, tudo o que ocorre já foi visto nos filmes citados. Certamente a diretora Chinonye Chukwu não mirava clássicos como “O Sol é para todos”, mas poderia ser um pouco diferente tal qual “Se a rua Beale falasse”. Mas não: “Till” entra no poço de infelicidade sem a intenção de sair (independentemente do final).

O engessamento mencionado se apresenta, por exemplo, na trilha musical instrumental, assim como no ritmo do filme, dado que sua progressão é previsível: sequência elíptica da notícia se espalhando, clímax dramático, mobilização, cenas de tribunal, texto final etc. Desse modo, Chukwu acredita que o roteiro, co-escrito com Michael Reilly e Keith Beauchamp, é suficiente para transmitir o que se pretende. Sua mise en scène é geralmente singela, como o abandono das cores vivas (verde, rosa, amarelo) nos vestidos de Mamie pelos seus opostos (cinza e preto, principalmente) e uma contraposição Chicago-Mississipi muito restrita ao aspecto bucólico, presente apenas no segundo. Há uma cena de discriminação em uma loja no primeiro estado, o que sugere que eles não seriam tão diferentes quanto alegado por Mamie (isto é, faltou expor que esse abismo discriminatório realmente existia).

A potência da história de Bo é tamanha que o longa se omite de dar organicidade aos acontecimentos, que se seguem de maneira mecânica, quase como um anúncio de fatos impactantes sequenciados. É verdade que Chukwu faz muito bem um trabalho de impessoalidade com os brancos racistas, pois os rostos dos atores não aparecem (seja pela pouca iluminação associada aos ângulos de câmera, seja pelo uso de over the shoulder sem mostrar o contracampo). De fato, o racismo estrutural do qual Bo foi vítima não depende daquelas pessoas, inclusive porque, se não fossem elas, a probabilidade de algo semelhante ocorrer com outros brancos não seria pequena (ressaltando que ele não estava habituado aos costumes discriminatórios locais, como se vê na sua estranheza ao ser chamado para ir para os bancos do fundo do trem). A dificuldade do filme está no outro vértice, na transpessoalidade de Bo (e certamente o uso de imagens fortes e fiéis à realidade não é suficiente).

Mamie passa por um processo por força do qual percebe que Bo foi peça de uma engrenagem maior do racismo, ao qual ficava alheia. Foi assim que seu filho cresceu, tanto que um de seus primos lhe declara que, ali, ele era “um deles” (como se, em Chicago, a segregação entre negros e brancos não existisse). Porém, o empenho em demonstrar o senso de coletividade que Mamie aprende a ter não é exitoso, parecendo que ela repentinamente compreende que ele não era mais somente o seu filho (o que fala expressamente). A passagem da vingança pessoal para o entendimento de que a luta não terminaria com um só veredicto é titubeante, o que prejudica a mensagem de que grupos minoritários precisam ter a consciência da opressão de que são vítimas (mesmo que indiretas ou eventuais) para um dia essa opressão cessar.

Alguns elementos falhos de “Till – a busca por justiça” poderiam ser relativizados, como a não explicada e meramente mencionada desavença entre os pais de Mamie e a atuação nem sempre certeira (mas quase sempre potente) de Danielle Deadwyler no papel principal (o monólogo sobre o reconhecimento do filho é uma enormidade; a reação na estação de trem é restrita a gritos sem lágrimas e, assim, não convence). O que não pode ser relativizada é a inabilidade de ressaltar a importância da consciência de classe, ou seja, a transpessoalidade que Bo acabou representando. Do contrário, casos como o dele reduzem uma luta coletiva.