“THE POLITICIAN” – Caricatura fora da realidade
Goste ou não da sua obra, Ryan Murphy é um showrunner que possui sua própria assinatura autoral e impacto sobre o público. Foi assim com “Glee“, “American horror story” e “American crime story“, assim como está sendo no projeto original Netflix THE POLITICIAN. A série coloca as politicagens e intrigas ao estilo “House of cards” no ambiente high school norte-americano, criando uma comédia caricatural de excessos e absurdos. Uma proposta que poderia render uma experiência divertida e prazerosa, não fosse o descolamento da caricatura da realidade e a perda de força.
A produção gira em torno de Payton Hobart, um adolescente decidido a alcançar um sonho ambicioso: se tornar presidente dos EUA. Enquanto o cargo não chega, o jovem traça planos que incluem conseguir as melhores notas, entrar em Harvard e se tornar presidente do grêmio estudantil. Porém, o Ensino Médio será mais difícil e competitivo do que imaginava, precisando do apoio dos amigos James, Alice e McAfee, e da sua mãe Georgina para enfrentar seus adversários River e Astrid.
De forma geral, o estilo da narrativa abraça a caricatura para ironizar até onde os candidatos e suas equipes estão dispostos a ir para vencer a eleição. O embate entre autenticidade e falsidade molda a construção do humor nas passagens que mostram os discursos, as decisões e as estratégias duvidosos dos estudantes, interessados apenas no próprio benefício: utilizar a escolha de um vice-presidente pertencente a minorias sociais, a morte de um colega muito querido e o falso término de um namoro para conquistar mais votos e aprovação popular (algo destacado pelo esforço de James e McAfee em acompanhar a repercussão das eleições em tempo real pelas redes sociais). Entretanto, o ponto positivo do roteiro logo se transforma em conflitos dramáticos desgastados pela repetição sem maiores nuances e variações dos personagens e situações – reafirma-se continuamente como eles podem fazer o que for necessário, jamais apresentando alguma dúvida ou questionamento.
Outro problema relacionado ao humor caricatural é o quanto ele se desvia de uma base da realidade e aprofunda ao ponto de não manter a identificação com os espectadores. O desenrolar da trama avança para um exagero distanciador, principalmente quando a polícia se envolve na eleição estudantil e quando se percebe a ausência das autoridades do colégio nas disputas entre os alunos. Os excessos também atingem a condução dos atores por Ryan Murphy e pelos demais diretores, baseada nos trejeitos pronunciados (especialmente do protagonista vivido por Ben Platt), e as subtramas que preenchem a narrativa, como ocorre com o arco envolvendo Georgina e o marido (tendo como único mérito o convencimento do amor da mulher por seu filho Payton, graças à atuação de Gwyneth Paltrow) e a relação tumultuada entre Astrid e seu pai movida pelas aparências e por uma dualidade nociva entre vencedores e perdedores.
O embate entre falsidade e autenticidade se torna mais interessante quando penetra na dimensão íntima dos personagens para criar traços dramáticos em seus arcos. Astrid finge orgasmos com River e tem conflitos com o pai pelo fato de que ele a vê apenas como um rostinho bonito sem conteúdo; River enfrenta a imagem pública do atleta calmo e popular porque carrega dentro de si emoções turbulentas que o tornam depressivo; Infinity apresenta uma condição misteriosa relacionada à sua doença, em razão da avó superprotetora e dos benefícios que a senhora obtém pela condição da neta (em uma atuação absurdamente divertida de Jessica Lange); e Payton se comporta como um sujeito fabricado para ser bem sucedido politicamente, lendo biografias de personalidades exitosas, sempre pensando na vantagem que pode conseguir de suas ações e de outras pessoas e preparando meticulosamente suas falas, com dificuldades para expressar sentimentos (a abertura de cada episódio compara o interior de Payton ao de um robô criado artificialmente com engrenagens propositalmente inseridas, além da cena em que expressa emoções com intenções políticas).
Contudo, esse ponto é esquecido na maior parte da narrativa. A condição depressiva de River é resolvida de maneira abrupta, mesmo que, ocasionalmente, retorne para ser exibida como influência do arco de Payton; os dilemas pessoais de Astrid são constantemente interrompidos e deixados de lado pelo episódios, voltando de maneira muito pontual e sem a mesma potência se fossem trabalhados com maior frequência; e as dificuldades emocionais de Payton ficam à margem das disputas eleitorais no colégio, inviabilizando, assim, a construção de um personagem tridimensional que não se resume a uma característica. Apenas a subtrama envolvendo Infinity e sua avó são desenvolvidas com maior eficiência, traduzindo as oscilações dramáticas de uma relação conturbada movida pelas aparências e por emoções mal compreendidas.
As caricaturas também se tornam apelativas por conta dos recursos visuais escolhidos para o universo da série. Além do overacting observado em alguns personagens (Payton, os irmãos Martin e Luther, Ricardo e Theo), a própria interação entre eles é caracterizada por excessos (a dinâmica de Payton com os irmãos e a criação de Astrid por seu pai Theo, por exemplo) e a decupagem das cenas transborda um estilo brega e excessivamente melodramático, vista na trilha sonora embalada por notas que remetem às touradas mexicanas e pelo design dos cenários que marcam uma ostentação material pouco verossímil. Até existem episódios construídos com lógicas visuais e dramáticas diferentes, o capítulo enfocado em um estudante nada interessado nas eleições e o último enfocado nas consequências das trajetórias dos personagens, porém o melodrama distanciador impera na trama.
“The politician” tem algumas boas ideias diluídas pelos oito episódios, evocadas pelas tentativas de humor a partir da caricatura de jovens à flor da pele que vivem intensamente como se já soubessem o que conseguir para suas vidas e como conseguir. Contudo, mesmo o tom caricatural precisa ter um apego à realidade dos espectadores para ter seu significado potencializado e seu alvo principal considerado: os dramas e as condições internas dos personagens. Nesse sentido, voltar-se para o absurdo das eleições estudantis e preterir as vivências daqueles alunos é o maior problema da série.
Um resultado de todos os filmes que já viu.