“TERRIFIER” – Um palhaço que não faz rir
Palhaços tendem a ser associados à comédia ao longo da história. As origens são múltiplas, podendo variar entre o bobo da corte de reinos antigos, um personagem do teatro popular de tempos imemoriais e uma figura clássica de espetáculos circenses. Apesar da vinculação tão grande ao humor, algumas abordagens optaram por outras possibilidades sensoriais a partir da simbologia em torno da maquiagem. É possível tratá-los sob o viés dramático de quem faz rir outras pessoas, mas não tem quem o faça rir, como o Pierrot da Commedia Dell’Arte italiana e o filme brasileiro “O palhaço“. É possível também tratá-los sob o viés do horror de quem aproveita a pintura facial para esconder sua verdadeira natureza terrível, como o Pennywise de “It: A coisa” e Art de TERRIFIER.
Na véspera de Halloween, Dawn e Tara procuram a melhor festa da cidade. Em determinado momento dessa noite, elas param em uma pequena lanchonete sem imaginar o encontro mortal que teriam. As duas jovens encontram o palhaço Art, ironizam o homem mascarado e pedem uma selfie com ele sem suspeitarem o perigo que corriam. Alguns minutos depois, reencontram o mesmo sujeito, mas dessa vez sem qualquer motivo para brincadeira. Dawn, Tara e todas as outras pessoas próximas a elas passam a ser perseguidas por um palhaço assassino e cruel que empilha vítimas pelo caminho da forma mais brutal possível.
Esta referência mais contemporânea de palhaço tem o trunfo de criar uma figura forte para o universo do terror e dona de sua própria mitologia. O diretor Damien Leone já havia utilizado o personagem no curta “The 9th Circle” de 2008 e no longa “All Hallows Eve” de 2013, o que demonstra sua crescente familiaridade com o o vilão e mudanças na composição visual dele. Entre as transformações ocorridas, está a maquiagem que, mesmo conservando as mesmas cores e traços semelhantes, passou por alguns ajustes que a deixaram mais expressiva. A face pintada de branco, o formato singular das sobrancelhas e contorno preto dos olhos já são capazes de deixar Art perturbador, inclusive, ao estimular o espectador a querer saber mais de um palhaço com essa fisionomia e um pequeno chapéu preto na cabeça. A grande diferença está no sorriso, que revela uma mistura de sangue e tintura preta nos dentes. No quadro geral, a combinação de todas as características evidencia o sadismo de quem se diverte ao causar dor e medo em suas vítimas.
Outra alteração foi o ator que interpreta o vilão. Anteriormente, era Mike Giannelli que vivia o assassino. Neste filme, o papel coube a David Howard Thornton e grande parte da construção visual icônica do personagem se deve ao seu trabalho físico. Inicialmente, os trejeitos corporais sugerem certa inocência típica de um arlequim que pretende fazer seu público sorrir, como se fizesse uma apresentação lúdica com movimentos fluidos e cartunescos. Pouco tempo depois, a expressão facial e a movimentação dos membros se transformavam radicalmente para serem mais duros e brutais, dignas de um psicopata violento que precisa assassinar suas vítimas da forma mais cruel e explícita possível. Além disso, Damien Leone explora com cuidado a primeira aparição de Art, manipulando as reações dos espectadores diante da sensação de violência iminente. Na lanchonete em que Dawn e Tara se encontram pela primeira vez com o palhaço, o momento é construído para estender ao máximo a tensão resultante de uma presença macabra que se diverte com sua própria condição e é alvo de atitudes nada recomendáveis (como tirar um selfie com ele e expulsá-lo do local).
A partir do instante que os crimes de Art começam, não há mais nada que o faça parar ou sutilezas no modo como executa quem atravessa seu caminho. A narrativa abraça sem pudores a estética do gore ao encenar assassinatos que trazem efeitos especiais para uma violência explícita que representa sangue, mutilação e vísceras de maneira gráfica. Em parte isso se deve à escolha do cineasta de elaborar mortes que não repitam o modus operandi do psicopata, algo evidenciado pelas diferentes armas que carrega ou retira do ambiente onde está para atacar as vítimas. Consequentemente, as sequências podem ser um pouco mais previsíveis quando, por exemplo, pega algo do saco de lixo que leva junto de si para assassinar um personagem; ou podem ser inesperadas, quando saca uma arma de fogo para abreviar o confronto com alguém que o enfrentava. Em outro sentido, a ideia também pode ser elevar, em cada novo crime, os sentimentos de choque e repulsa frente às imagens de morte que tomam a tela, fazendo com que a retirada da pele e a abertura do corpo sejam o ápice dessa extrema violência.
No entanto, existem algumas consequências das escolhas de Damien Leone que parecem não ser tratadas conscientemente por ele ou sequer previstas na condução da narrativa. A opção pelo gore torna a produção um exemplar dos filmes de terror B ou trash, por conta de seu orçamento limitado, da menor preocupação com a lógica do enredo e de aspectos visuais mais modestos. Então, alguns aspectos são construídos e bem desenvolvidos dentro desse princípio, como as atuações nada realistas e contidas de Tara Heyes e Catherine Corcoran. Por outro lado, outros elementos inseridos parecem apenas ser um fetiche de um realizador interessado em transformar tudo que está em tela em uma avalanche de signos desagradáveis ao olhar, como o prédio arruinado, a caracterização do funcionário de limpeza do local e a mulher em situação de rua com problemas mentais. Além disso, o diretor não se dá conta da misoginia de Art para trabalhá-la criticamente, resultando assim na percepção de que as mortes de personagens femininas são espetacularizadas ou banalizadas diante de sua violência. Em comparação com os homens assassinados, as agressões praticadas contra as mulheres são mais dolorosas e brutais.
Quando se concentra especificamente em criar uma figura icônica para o terror, “Terrifier” encontra seus méritos. A caracterização de Art confere uma abordagem muito particular ao palhaço dentro do terror, sabendo como extrair um humor nada convencional de sequências violentas. Em dois momentos, por exemplo, o assassino tem reações cômicas em frente às vítimas ridicularizando quem antes o havia irritado. O que orbita em torno dele nem sempre tem o mesmo potencial, como fica claro na tentativa de criar um plot twist no terceiro ato que se conecte às primeiras cenas fora de ordem cronológica. Ainda assim, Art tem características que permitem a ele fazer parte de um universo próprio de regras particulares que tenham seu valor para o gênero. Na sequência final, a pista dada é que pode ser algo mais sobrenatural, quase remetendo a Michael Myers e Jason Voorhees.
Um resultado de todos os filmes que já viu.