“TERRIFIER 3” – Horror natalino corporal
Uma continuação não precisa, necessariamente, ser uma grande inovação. Continuar fazendo bem o que o antecessor já fazia pode ser uma virtude. Porém, pode haver, involuntariamente, comparações, em especial quando se pensa na evolução do primeiro para o segundo “Terrifier“. Mesmo divertindo e propondo algumas boas ideias, TERRIFIER 3 pode ficar à margem do anterior para alguns espectadores.
Cinco anos se passaram desde que os irmãos Sienna e Jonathan sobreviveram ao sadismo brutal do palhaço Art. Eles não se veem há algum tempo, pois a jovem ficou internada em várias clínicas psiquiátricas. Por isso, estão ansiosos pelo reencontro na noite de Natal na casa dos tios. Refeição em família, árvore enfeitada e troca de presentes não são aquilo que Art e sua parceira Victoria planejam para a ocasião, já que mortes sanguinolentas combinam mais com o espírito da dupla de assassinos.
Damien Leone consolida no terceiro filme a figura icônica do palhaço Art para o cinema de terror. A maquiagem expressiva para o ator David Howard Thornton contribui para dar ao personagem uma expressão específica que varia da inocência aparente, da fúria irracional para o humor mórbido. Na atuação, a risada silenciosa, as mudanças abruptas no olhar e a movimentação corporal de pantomimas conferem uma persona assustadora nos pequenos gestos e sinais. Da mesma maneira, o diretor desenvolve mais uma narrativa que se baseia em uma história de psicopata e se encontra no subgênero de horror corporal, já que as mortes colocam em questão as vulnerabilidades do corpo humano e repulsa pela exposição de suas limitações. Sangue, vísceras, ossos e órgãos internos são expostos pelas mutilações que arrancam a pele e deixam o interior do organismo à mostra, buscando sequências criativas como o uso de nitrogênio líquido para congelar os membros das vítimas.
No segundo filme, a trama se posicionou no Halloween para aproveitar a iconografia típica do terror dessa época do ano. Na continuação, repetir o contexto poderia não inovar dentro de expectativas para determinado público. Logo, os anos se passaram e, dessa vez, o contraste dita o tom de um palhaço assassino durante o período natalino. Sendo assim, o humor está mais presente e direcionado para a personalidade do personagem ou para os símbolos do Natal. Por exemplo, uma conversa entre dois jovens namorados e universitários tem reações cômicas de Art, que escuta às escondidas frases que imaginam como seria uma relação sexual com ele. Além disso, o palhaço assassina toda uma família e depois come biscoitos natalinos com leite como se fosse uma pessoa inocente. Mais adiante, ele assume o lugar de um Papai Noel, em uma divertida sequência em que parece ser fã do bom velhinho, comete assassinatos enquanto deveria ouvir os pedidos de presentes das crianças em um shopping e subverte a indumentária da fantasia, o saco de brinquedos e a árvore de Natal.
Possivelmente, a dimensão de uma narrativa convencional seja o aspecto que mais possa gerar debates. Na produção anterior, a proposta de criar uma trama fechada (ao contrário da primeira aparição de Art em longas metragens em 2016) é ressignificada pelo experimentalismo de uma lógica temporal não linear e situada entre a fantasia e o realismo. No lançamento de 2024, predomina por mais tempo a ideia de uma trama claramente discernível, embora as sequências com a presença do palhaço se assemelhem a esquetes que não precisam ter grande relação entre si. Nesses momentos, Damien Leone tenta explorar as possibilidades sensoriais e estilísticas do gore e da violência extrema. Quando ele não está em cena, a narrativa volta sua atenção para o núcleo dos irmãos Sienna e Jonathan, que se debruça sobre a clássica história das consequências da sobrevivência a um massacre. No entanto, ambos os arcos não parecem atrativos dentro do universo porque se resumem a uma convenção padronizada dos efeitos de um trauma para os jovens que têm ataques de pânico ou visões alucinatórias daqueles eventos.
A encenação das mortes e os efeitos práticos trabalhados possibilitam explorar outros desdobramentos para os medos em relação à vulnerabilidade do corpo e à perseguição de um psicopata. Diferentemente do que se tinha visto até então, Art ataca um casal nu em um momento erótico no chuveiro e Damien Leone pode tanto referenciar “Psicose” quanto integrar a agressividade do ataque ao erotismo visual do terror. Na conclusão dessa sequência, a temática sexual salta aos olhos quando o assassinato de um homem corresponde também a um estupro. Além disso, o filme subverte o espírito atribuído ao Natal como nem sempre acontece e vai fundo na ideia do profano ou na distorção de símbolos acolhedores. Sendo assim, as imagens de um presépio bíblico e a iconografia de Jesus Cristo crucificado são violados pela justaposição de estímulos chocantes da violência ou pela reconstrução imagética como uma vítima desmembrada ou como uma heroína em sacrifício. Outro exemplo gráfico é a decoração da árvore de Natal com partes do corpo de pessoas assassinadas, que retiram qualquer sacralidade nesses elementos.
Embora o desenvolvimento narrativo mais convencional possa frustrar parte do público que apreciou as experimentações do segundo filme, “Terrifier 3” não abandona totalmente as estratégias para chegar logo aos seus momentos de violência extrema (que, por sinal, é seu maior apelo). No clímax, Damien Leone não precisa de muito tempo para construir de forma lógica quais foram os acontecimentos que levaram ao conflito na casa dos tios de Sienna e Jonathan. Há um lapso temporal e um salto geográfico das cenas anteriores para a sequência que mais importa. Nesse grande set piece, o choque gráfico e o humor mórbido são eficientes. E o uso cínico de um universo mitológico se reflete de modo divertido na caracterização de Victoria como um mal específico e de Sienna como uma escolhida por profecias para derrotar os vilões. Por um lado, abraça certa dose de humor macabro na fantasia proposta sem levar a sério tudo que foi construído. Por outro lado, cria uma relação emocional dispensável entre pai e filha e se encerra com um momento aparentemente anticlimático para permitir outra continuação. Para alguns espectadores, o resultado pode estar abaixo do que já se viu. Para outros, pode ainda propor uma experiência de boas ideias e sensações fortes em torno do palhaço Art.
Um resultado de todos os filmes que já viu.