“TERRIFIER 2” – Podemos falar em experimentalismo?
Quando se fala em experimentalismo no cinema, os “filmes de arte”, independente, feitos por razões estéticas e projetados não em um modelo hollywoodiano ou com um apelo de massa são lembrados rapidamente. Sem entrar na problemática oposição de cinema de arte e cinema comercial, a experimentação nas artes diz respeito muito mais ao uso criativo da linguagem para se desprender de convenções já consagradas. Nesse sentido, seria possível caracterizar um filme de terror gore de um palhaço assassino, cujo marketing divulgou que espectadores passavam mal ao vê-lo, como experimental? Olhemos mais de perto, então, para TERRIFIER 2.
Seis anos após o lançamento do primeiro filme, a continuação amplia o que já havia no antecessor e subverte outros aspectos. Na trama, um ano se passou desde o massacre de Miles County durante o Halloween. A única sobrevivente assassinou violentamente uma apresentadora de talk show e foi internada em uma clínica psiquiátrica. A chegada de uma nova noite das bruxas promete mais uma trilha de sangue e mortes deixada pelo palhaço Art, dessa vez interessado em perseguir os irmãos Sienna e Jonathan. A fantasia caseira de Halloween da jovem e sua trágica história familiar criam uma conexão misteriosa com os novos assassinatos que serão cometidos.
Em comparação com seu antecessor, esta continuação propõe uma contextualização até bem convencional que revela uma inovação em relação ao seu próprio universo diegético. No longa de 2016, a preocupação com uma história clara era pequena, já no longa de 2022, o esforço por uma dramaturgia mais coesa é maior. A cidade faz os preparativos para o Halloween (fantasias, doces e decoração das casas) enquanto Sienna e Jonathan estão inseridos na dinâmica escolar com seus colegas e professores. Acima de tudo, é a relação familiar dos dois protagonistas que mais demarca uma estrutura tradicional a ser desestabilizada pelo vilão. Os jovens perderam o pai de forma chocante e, desde então, passam por conflitos com a mãe: Sienna é repreendida por desejar desfrutar dos prazeres da adolescência e Jonathan, por ter desenvolvido um interesse mórbido pela violência.
Mesmo que esta contextualização possa romper com certas características estabelecidas pelo primeiro filme, as experimentações marcam a narrativa quando os assassinatos se intensificam. A sequência inicial compreendia entre o necrotério e a lavanderia sinaliza a permanência do gore misturado a um humor ácido ocasional, graças ao grafismo das duas primeiras mortes e à introdução de uma menina tão sádica quanto Art e com uma composição visual semelhante a dele. À medida que o número de vítimas cresce, o diretor Damien Leone dá vazão ao seu interesse de explorar as possibilidades sensoriais de um terror frontal constituído por uma violência gráfica. A brutalidade do palhaço pode gerar choque e repulsa, mas até certo ponto porque o cineasta estica o tom cartunesco ao máximo para tornar a representação das mortes irreal. Além disso, a encenação dos momentos violentos e os efeitos práticos produzem medo ao expor os limites do corpo humano, já que as agressões o destroem quase por completo seguindo um padrão que começa pelos olhos e pela cabeça e termina revelando os órgãos internos.
As experimentações prosseguem na maneira como Art aparece após os últimos acontecimentos do primeiro filme. Se aquele desfecho insinuava uma dimensão sobrenatural, Damien Leone investe na sensação de que nem tudo o que se vê seria real para a trama. Art seria uma ilusão grotesca de um pesadelo ou um traço de crueldade sádica dentro da realidade tangível? Em determinada cena, Sienna sonha que o palhaço invadiu um comercial de TV, devastou o ambiente e gerou consequências até fora do sonho. Cria-se, assim, o medo da onipresença de Art, como se ele pudesse, por exemplo, fazer um incêndio transbordar do pesadelo para a realidade. A entrada de uma menina vestida de arlequina, com um figurino e maquiagem em preto e branco, e com um coque de cabelo desalinhado reforça o elemento onírico, pois não há certeza se ela é um delírio ou uma figura real. Em algumas sequências, a menina não é vista por todos os personagens, já em outras, ela se desloca de modo irreal por cenários distantes.
Outras possibilidades sensoriais são buscadas na caracterização de Art e em situações específicas após algumas mortes. Desde sua primeira aparição no cinema, o personagem transmite uma combinação incomum de medo e humor incômodo que vem da imagem do palhaço historicamente à comédia subvertida para uma lógica de terror gráfico. Nesta obra, a expressividade é aumentada devido à performance de David Howard Thornton, que se mantém sempre silencioso e propaga uma série de sensações a partir de sua fisicalidade e de mímicas. Por vezes, suas expressões corporais revelam uma ingenuidade quase infantil, em outros instantes, passam por transformações para evidenciarem uma inexpressividade assustadora ou uma selvageria sádica. Em três cenas específicas, o cineasta explora ao extremo o senso de humor mórbido de Art a ponto de perturbar ainda mais os espectadores: fazer um comercial televisivo de cereal se tornar uma situação sanguinolenta, oferecer doces às crianças na cabeça de uma das vítimas e preparar uma refeição com outra vítima desfigurada sentada à mesa.
Deixando de se preocupar com o desenvolvimento racional ou convencional da trama, Damien Leone experimenta diferentes estilos de terror na narrativa. Mais interessado do que organizar uma sequência coerente de eventos dentro de uma unidade perfeitamente orgânica, ele prefere passear por subgêneros que se conectam à sua perspectiva artística. De início, é estabelecido o típico filme de Halloween que prepara uma grande tragédia para a noite de 31 de outubro; em seguida, insinua a existência de alguma maldição paranormal quando o livro de desenhos do pai de Sienna e Jonathan é exibido; posteriormente, combina o slasher de “Halloween” e “Sexta-feira 13” com a dimensão onírica de “A hora do pesadelo” e torturante de “O massacre da serra elétrica” ; até dialogar com uma proposta fantasiosa de histórias de profecia. Sendo assim, Art faz lembrar personagens consagrados no terror como Michael Myers, Jason Voorhees, Leatherface e Freddy Krueger. Consequentemente, a narrativa se torna um conjunto de excessos fantásticos sob controle de seu realizador a começar pela longa duração.
Ao mesmo tempo que resgata aspectos do primeiro filme, “Terrifier 2” também se expande para outras ideias a ponto de propor a criação de uma mitologia própria. O onirismo já observado anteriormente em Art e na menina ao seu lado se soma a uma dose de fantasia que coloca em xeque as percepções mais comuns do público. Tentar assimilar a escala do confronto final a partir de uma lógica racional é insatisfatório, pois as escolhas estilísticas de Damien Leone são justamente no sentido de subverter experiências racionais, narrativas clássicas e expectativas do que seria uma obra de terror. Então, a conclusão do terceiro ato e as cenas pós-créditos apontam para a construção de um universo mitológico que faz do palhaço assassino uma ameaça mística dotada de humor cruel e atitudes brutais. Todas essas características e realizações o tornam um filme experimental? Em certo sentido, propõe uma dose de experimentalismo ao se apropriar da linguagem cinematográfica para tratar das várias possibilidades sensoriais do terror.
Um resultado de todos os filmes que já viu.