“TENET” – Difícil defendê-lo
Foi com “Batman Begins”, em 2005, que Christopher Nolan começou sua carreira em Hollywood (os filmes anteriores foram de baixo orçamento e bilheteria modesta). Em 2008, o diretor lançou “Batman – o Cavaleiro das Trevas”, tido por muitos sua melhor obra, juntamente com “A origem”, em 2010. Outros preferem “Interestelar”, de 2014. “Dunkirk”, de 2017, não tem tanto destaque, mas a fanbase de Nolan defende fervorosamente o longa. TENET, de 2020, será mais difícil de defender.
O Protagonista, um agente da CIA que deveria ter morrido durante uma missão, é recrutado por uma organização misteriosa chamada Tenet para salvar o mundo da Terceira Guerra Mundial. O responsável pelo perigo é Andrei Sator, um oligarca russo que consegue interagir de misteriosas formas com o futuro. Existem objetos que comprovadamente vieram do futuro, agindo de maneira reversa, mas as pesquisas ainda estão no começo. A tarefa do herói é impedir Sator de concretizar seus planos.
Pela sinopse já é possível perceber que o roteiro de Christopher Nolan (em mais um projeto dirigido e roteirizado por ele) é bastante maniqueísta, o que acaba sendo fundamental para o insucesso emocional da obra. John David Washington interpreta a personagem principal, cujo nome é absolutamente despido de criatividade: O Protagonista. Ele é o herói típico, que corre contra o tempo (literalmente) para salvar o mundo de uma ameaça iminente. A ameaça é representada por Sator (Kenneth Branagh), um vilão malvado que quer acabar com tudo e com todos simplesmente porque… ele é mau. No meio disso tudo, uma donzela indefesa: Kat (Elizabeth Debicki), única que tem um propósito palpável e crível, seu filho. Do trio, apenas Washington não está mal.
Ainda no elenco estão Clémence Poésy, Michael Caine, Himesh Patel, Aaron Taylor-Johnson e Robert Pattinson. Os dois primeiros são quase figurantes (Caine provavelmente aceitou o convite apenas pela amizade com Nolan, mesmo caso de Branagh); os dois seguintes, completamente esquecíveis. Pattinson é um caso à parte: no começo, há um leve exagero interpretativo, que é incômodo, mais à frente, todavia, ele ganha seriedade e se torna o melhor em cena (o que, no caso, não significa muito). Todos eles ratificam o problema principal do longa: falta-lhe emoção.
“Tenet” é constituído por cento e cinquenta minutos de explosões, lutas, corridas e tiros que deixariam Michael Bay orgulhoso, com sequências longuíssimas e bem barulhentas. A ação de Nolan consegue ser eletrizante e os efeitos práticos são muito bons. O filme é recomendado tanto para masoquistas quanto para sádicos. No primeiro caso, basta mencionar a trilha musical de Ludwig Göransson, que é repetitiva, cansativa e desagradável (parece o mugido de uma vaca, modificado eletronicamente). No segundo, chama a atenção o quanto o protagonista (ou O Protagonista) apanha (do começo ao fim).
Voltando ao roteiro, é verdade que ele é (desnecessária e demasiadamente) complexo. De uma conspiração para acabar com tudo e todos para uma tecnologia que inverte a entropia dos objetos há apenas um pulo. Em determinado momento, o protagonista ouve um conselho: “não tente compreender, sinta”. O problema é que, em “Tenet”, compreender é difícil; sentir, inviável. As personagens são vazias; os diálogos, fraquíssimos (a interação entre Washington e a personagem de Dimple Kapadia é sofrível!). Existe desde o clichê “se eu não puder ter você, ninguém mais terá” até o nonsense “você não negocia com um tigre”. A questão do reverso funciona mais para a ação do que para a narrativa em si, salvo quando há um plot twist, momento em que o público já está exausto.
Com “O grande truque”, Nolan tratou de obsessão. Com a trilogia Batman, vieram assuntos políticos em roupagem de filme de super-herói. “A origem” tem uma ideia razoavelmente original (principalmente quando comparada à de “Tenet”, que não passa de uma maneira diversa de viagem no tempo) e um protagonista cujo objetivo (rever os filhos) é comovente. “Interestelar” tem diversos problemas, mas a ideia de um pai que sacrifica o futuro que teria com a filha para salvar a humanidade é tocante. “Dunkirk” é o mais fraco, que padece de mal semelhante ao longa de 2020: não tem emoção. São dois filmes ocos, com a diferença que, enquanto o primeiro é baseado em fatos relativos à maior guerra da História (o que é capaz de captar algum interesse da plateia), o segundo é sobre pessoas que salvam o mundo do que poderia ter acontecido (mas que não aconteceu e ninguém sabe).
Nolan retoma alguns de seus assuntos favoritos, como livre-arbítrio e manutenção da ordem. Dessa vez, porém, sem fatos históricos, dramas familiares, desejos profundos ou super-heróis. O que restou é física moderna (provavelmente com licenças poéticas) e ação frenética. Nada disso garante emoção.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.