“TEMPO” – Escasso, demasiado escasso
A expressão latina “carpe diem” ficou famosa com o filme “Sociedade dos poetas mortos”, de 1989. A ideia de aproveitar cada momento como se fosse o último vem dos gregos, mas encontra no audiovisual inúmeros exemplos. TEMPO é um desses exemplos, um filme de suspense muito mais dramático do que pode parecer.
A família Capa decide passar um período em um resort de luxo para relaxar. O gerente do hotel lhes recomenda uma praia privativa, onde poderiam aproveitar ainda mais a estadia. Eles descobrem, porém, que o local não apenas causa um envelhecimento muito acelerado, mas também que dele não podem sair facilmente.
Baseado em uma HQ francesa assinada por Pierre-Oscar Lévy e Frederick Peeters, o diretor e roteirista M. Night Shyamalan tem no longa (no qual atua em papel relevante) uma de suas obras mais dramáticas – ao menos em relação à sua ideia governante. O hotel em que a família se hospeda coloca mensagens expressas como “aproveite seu tempo conosco”, tendo seus funcionários vestidos da cor roxa (geralmente associada à morte): são indícios de um alerta velado sobre a escassez do tempo e a efemeridade da existência humana. Quando Guy admite que deveria ter conversado com Prisca ao ler as mensagens, está admitindo que perdeu uma oportunidade e que, no momento da admissão, já era tarde demais. Mais ao final, o casal concorda com uma ideia que faz parte do senso comum na teoria, mas que é pouco abraçada na prática: pouco, quiçá nada, importa mais do que um bom momento com uma boa companhia.
O título original do filme é “Old” (em tradução livre, “velho”), todavia o nome nacional não é inadequado. Simbolicamente, quando o grupo que está na praia se reúne em uma roda e a câmera gira por dentro dessa roda, Shyamalan faz uma representação de um relógio, que, girando em apenas uma direção, enfatiza que o tempo “anda” (no caso da praia, corre) apenas para a frente. Foi necessária uma situação limítrofe para, por exemplo, Patricia reconhecer que a briga com a irmã foi uma besteira. Provavelmente, como Prisca, ela agiu se sentindo em uma ilusão, um desvio da realidade que poderia contornar como se dela tivesse o controle. Como em suas vidas, as personagens estão impotentes pela impossibilidade de sair da praia, percebendo que tão certo quanto a morte é o envelhecimento. Trent pode planejar fazer faculdade com o novo amigo Idlib, mas isso jamais seria uma certeza. É por isso que momentos de ternura familiar, como o canto de Maddox para sua mãe, são tão valiosos.
Shyamalan é impecável na tradução do envelhecimento gradativo em termos imagéticos. O visual angelical da praia se desfaz na medida em que as personagens encontram as consequências mais severas da passagem temporal (sobretudo, a decomposição). Primeiro são os talheres enferrujados; depois, um cadáver: nada mais que decorrências de um interregno de uma cronologia surreal. O efeito da fusão dos rochedos com os rostos das personagens torna a mescla uma simulação de rugas faciais, algo que acaba aparecendo adiante através do ótimo trabalho de maquiagem (salvo em relação a Chrystal, personagem mal utilizada e de pouca relevância). Com as crianças, o envelhecimento não pode ser por maquiagem, então a estratégia de mudar o elenco e ocultá-lo em determinados momentos é muito inteligente. Enquanto os adultos se preocupam com os cadáveres, as crianças amadurecem fisicamente, o que gera naqueles enorme surpresa. De certa forma, o mesmo ocorre na vida real: quando os pais percebem, seus filhos já são adultos. Fisicamente, ainda, os desdobramentos da passagem do tempo variam de pessoa para pessoa: algumas têm a visão afetada, outras, a audição, outras, ainda, o próprio senso de realidade e de certo e errado.
A delicadeza da cena em que Trent e Kara ficam a sós é uma reprodução lírica de um amor célere e potente o bastante para render frutos (ainda mais naquele lugar). Com o tempo passando de maneira acelerada, é natural que as pessoas vivam mais intensamente, pois a sua exiguidade crescente gera nas pessoas um efeito de querer aproveitar ao máximo. No terceiro ato, o roteiro vai para uma direção distinta da que havia sido encaminhada até então, com uma mensagem um pouco diferente do carpe diem (e muito menos efetiva). O que há no filme de mais positivo, contudo, é a reflexão sobre o uso de um bem (o tempo) cuja finitude é conhecida, mas não devidamente pensada. A fragilidade e a efemeridade de alguns elementos da vida pode ser a mesma das esculturas de areia feitas por Trent e Maddox. O que importa é o que é feito com o bem mais escasso da existência, aquele que jamais retrocede e cujos desdobramentos são inevitáveis.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.