“TED” – Besteirol com carisma
Dentro dos segmentos da comédia nos EUA, um dos mais significativos é aquele do tipo ofensivo, constrangedor e escatológico encontrado em shows de stand-up comedy e filmes. Nesse formato, Seth McFarlane fez sucesso criando “American dad” e “Family guy” para a TV estadunidense. Mantendo-se fiel ao seu estilo, criou a história e dirigiu TED em 2012, o que significou muito mais reafirmar sua forma de humor do que construir propriamente uma narrativa cinematográfica.
Começando na infância do protagonista John Bennett, a produção mostra o que o menino tanto deseja: um melhor amigo para sempre. No Natal, pede ao Papai Noel para seu urso de pelúcia Ted ganhar vida e se surpreende ao ver o desejo realizado. A partir daí, os dois crescem juntos e vivenciam diferentes etapas da vida até se tornarem adultos. Nessa nova fase, John deve decidir entre manter a longa amizade ou o namoro com Lori.
Ao menos na sequência de abertura, o diretor/roteirista equilibra a apresentação da trama com suas típicas piadas. É possível reconhecer o porquê de o bicho de pelúcia ser tão importante para o garoto, tamanha é a solidão que sente e a dificuldade de ter amigos – na cena em que é afastado por outras crianças do bairro, o humor baseado na quebra de expectativas funciona. Em seguida, o prólogo novamente acerta ao usar a montagem paralela para encadear o estranhamento das outras pessoas diante da inesperada magia, a fama adquirida por Ted e os momentos partilhados com John – dessa vez, o riso é causado pelo contraste em ver o urso passar por situações corriqueiras do cotidiano, mesmo que a utilização da narração em voice over abuse do humor forçado com referências à cultura pop e a divagações para outros assuntos.
O grande pecado no andamento da trama é a maneira como a comédia é construída na maioria das cenas. Inicialmente, o nonsense e a escatologia podem ser bem-sucedidos e coerentes com o universo diegético, entregando piadas com flatulências, fezes, drogas e sexo que revelam a infantilização dos personagens. Entretanto, à medida que o tempo passa, a repetição de momentos envolvendo se drogar perde o efeito humorístico (torna-se simplesmente um recurso fácil que se desgasta pela banalização), assim como as falas de Ted pouco se encaixam à situação retratada (assemelham-se mais a um texto compatível com um show de stand-up comedy contendo observações sobre mulheres de Boston, os EUA pós-11 de setembro e músicas dos anos 1990, por exemplo).
Não se trata exatamente de falta de ideias para diversificar o humor, já que a passagem mais engraçada não conta com os recursos citados anteriormente. Nas sequências em que John e Ted se divertem em duas festas, os excessos irresponsáveis dos personagens são encenados de forma criativa através de alucinações visuais, movimentos frenéticos da câmera, cortes acelerados de um plano a outro e eventos insólitos a partir do encontro com o ator que interpretava Flash Gordon e das consequências da destruição de uma parede. O mesmo vale para a briga no terceiro ato entre os dois amigos, que transita entre o absurdo e o caricatural, indicando mais um caso de integração entre humor pelo texto e pelas possibilidades visuais do cinema.
A caricatura também transparece no tratamento dado ao urso de pelúcia. A começar por sua interação com o protagonista ainda na infância e seguindo por vinte e sete anos de convívio, o público sente o carinho e a amizade entre eles como algo tangível e curioso (dividem tanto o desejo de permanecerem próximos e o temor de trovões quanto vivenciam momentos incomuns juntos, como usar drogas). Se fica possível acreditar nessa relação, é porque a construção estética de Ted convence como um personagem com que se contracena e passa por transformações ao longo do tempo: quando mais novo seu olhar é infantil e inocente, quando envelhece adquire expressões mais satíricas; os efeitos visuais em conjunto com a fotografia o tornam um ser sem artificialismos e articulado aos ambientes por onde passa; e a dublagem de Seth McFarlane reforça o contraste entre aparência e personalidade.
A mesma sensação cartunesca pode ser observada no elenco como um todo, cada um à sua maneira, passando por um arco de amadurecimento (ou nem tanto) relacionado a deixar a juventude em seu devido lugar. Especialmente, Mark Wahlberg vive esse conflito através do dilema entre crescer ou manter seu lado criança com uma veia cômica apropriada para o papel. Os demais igualmente lidam com sua própria imaturidade ou de outros personagens: Mila Kunis encarna Lori no desafio de ser a reserva de maturidade no filme, Giovanni Ribisi compõe um vilão resultante de uma infância frustrada que não passa e Joel McHale interpreta o dispensável chefe inconveniente e tolo de Lori.
Pode não ser original o desenvolvimento dessas figuras nem da história, pois já apareceu em muitas obras sob a forma de um crescimento pessoal conflituoso; além disso, as batidas de roteiro com as transições para cada ato são conhecidas, principalmente os desentendimentos e reconciliações. Porém, isso não é necessariamente um problema grave, já que existe carisma na relação dos protagonistas e algumas boas piadas. O que, de fato, enfraquece “Ted” é a insistência no mesmo humor que não permite à narrativa se estruturar totalmente como um projeto cinematográfico e não um espetáculo de comédia.
Um resultado de todos os filmes que já viu.