“SHAUN, O CARNEIRO, O FILME: A FAZENDA CONTRA-ATACA” – Outras formas de comunicação
É muito injusto concorrer ao Oscar de Melhor Animação no mesmo ano que “Soul” (2020), de Pete Docter, favoritíssimo à estatueta. A reflexão existencial sobre a vida e a falta de propósito, que uns podem interpretar como depressão, tem potencial de empurrar para debaixo do tapete o ótimo e aquarelado “Wolfwalkers” (2020), de Tomm Moore e Ross Stewart, e o menos ambicioso stpomotion SHAUN, O CARNEIRO, O FILME: A FAZENDA CONTRA-ATACA (2019), de Will Becher e Richard Phelan, disponível na Netflix. Menos ambicioso por ser requentado, mas não menos interessante. A obra de Becher e Phelan recupera uma simplicidade que vai além do formato, encantando, de forma moderada, pela teia de relações e comunicações tecidas entre os personagens da fazenda.
Shaun e seus amigos viviam mais um dia de travessuras cotidianas na Mossy Bottom Farm quando uma nave espacial pousa na cidade de Mossingham. Uma alien chamada Lu-La vai parar na fazenda e logo é descoberta por Shaun. Percebendo que Lu-La estava perdida, Shaun decide ajudá-la a achar sua nave e voltar para casa. Mas a tarefa começa a ficar mais complexa quando a cidade se torna um foco de interesse do público, por conta do OVNI, e do Ministério de Detecção de Alienígenas, liderado pela agente Red.
Shaun e seus parceiros de estripulias já são bem conhecidos do público. Oriundo da franquia britânica “Wallace e Gromit”, criada por Nick Park e sempre bem recebida pela Academia, a série “Shaun, o Carneiro”, também de Park, possui seis temporadas e seu primeiro filme, “Shaun, o Carneiro: o Filme” (2015), de Mark Burton e Richard Starzak, foi indicado à estatueta em 2016. Nessas histórias, de uma forma geral, Shaun é um dos líderes dos carneiros, os animais mais levados da fazenda de John, que conta com o cachorro Bitzer para manter a ordem. A maior peculiaridade de toda a franquia talvez seja a ausência de comunicação verbal, tanto dos filmes quanto da série, que conta com historietas de 7 minutos. Aliado ao belíssimo stopmotion da Aardman Animations, a obra adquire uma tonalidade quase mágica. Os personagens antropomorfizados possuem uma imensa carga sentimental, que vai desde o pastelão ao drama.
Em “Shaun, o Carneiro, o Filme: a Fazenda Contra-Ataca” não é diferente. Mesmo que não haja uma evolução visível no formato e conteúdo apresentados desde então, há uma tentativa de tocar em temas mais densos que a série e o filme anterior. Lu-La é a representação perfeita desse movimento. A menina evoca um pouco dos personagens da Pixar, como, por exemplo, a Bu de “Monstros S/A” (2001), de Pete Docter. O próprio Shaun aparece aqui bem diferente do arteiro da série. É até irônico o fato dos dois personagens não conseguirem se comunicar por serem de planetas diferentes mas, mesmo assim, não haver um minuto em que não se compreendam. Talvez a franquia inteira seja sobre isso, diferentes formas de comunicação. Bitzer repreende as ovelhas em um sentido mais educacional do que autoritário. É um chato adorável, como um pai. Seu jeito turrão rende bons momentos de quiproquó pastelão. Já a agente Red, o estereótipo da mulher-insensível-de-coração- gelado, compreende que sua ferocidade vem de um mal entendido.
A competente fotografia e a carga sentimental compensam uma história sem muitas surpresas. Um fã desavisado pode ter o coração partido pela trama, que aumenta sua tensão até um ápice emocional altamente compensatório, mesmo que demasiado tardio. “Shaun, o Carneiro, o Filme: a Fazenda Contra-Ataca” segue sendo uma animação de qualidade, mais recomendada para o público infantil do que para o adulto, o que não é nenhum problema. Por que seria? Talvez porque estejamos mal acostumados pela Pixar. Mesmo assim, entrega um bom entretenimento, embora menos audacioso que “Soul” e “Wolfwalkers”.
Doutora em zumbis. Péssima em escrever bios.