“SEX EDUCATION” – Educação sentimental
A adolescência é uma fase em que os hormônios estão em ebulição e os pensamentos em sexo se multiplicam. Esse período da vida também é marcado por dúvidas e incertezas, nem sempre bem enfrentadas ou comunicadas à procura de assistência – questões como o conhecimento do corpo, a performance sexual e os relacionamentos amorosos atormentam as mentes e corações dos jovens. SEX EDUCATION, nova série original Netflix, mostra que, além de questões sexuais, é igualmente necessário compreender as particularidades emocionais de cada pessoa.
A produção é protagonizada por Otis, um jovem socialmente inapto e sexualmente reprimido, que vive com a mãe Jean, uma terapeuta sexual. Apesar de ainda não ter perdido a virgindade, ele é uma espécie de especialista em sexo graças ao conhecimento aprendido em casa. Junto com Maeve, sua colega rebelde de escola, ele resolve montar uma “clínica” de saúde sexual para ajudar os demais estudantes. A força da série começa com os dois jovens principais e com Eric, o amigo do protagonista, todos carismáticos à sua maneira: Otis é desajeitado e inseguro (destaque para o surpreendente timing cômico de Asa Butterfield); Maeve é durona e dona de um inusitado humor negro; Eric é performático e extrovertido.
A força motriz da narrativa é o humor. Situações engraçadas são criadas a partir da desenvoltura de Jean para falar sobre sexo ou analisar as emoções de qualquer pessoa; do embaraço de Otis ao presenciar os comportamentos heterodoxos da mãe; de o conhecimento teórico de Otis não ajudá-lo, na prática, a se relacionar social ou amorosamente; e da forma como o jovem aprende as informações sobre sexo e os aplica na escola dando “consulta” aos colegas. A própria composição visual dos episódios, mesmo sendo simples, torna a atmosfera bem humorada, dinâmica e divertida através das cores fortes do design de produção e do figurino.
Outra base fundamental da obra é forma como o sexo é tratado. As “consultas” não entregam uma receita pronta do que é preciso ser feito para resolver as inseguranças e preocupações de cada personagem; Otis estimula cada um a encontrar o melhor para si, respeitando suas próprias predileções e individualidades. Não há julgamentos morais entre certo e errado, pois se compreende muito bem os vários tipos de relacionamentos existentes no mundo atual (por exemplo, a personagem Aimee passa por uma guinada em suas relações após conhecer seu corpo e abandonar uma visão demonizada da masturbação).
Além das relações sexuais, outros tipos de interação social ajudam a desconstruir os personagens. A relação aparentemente sincera entre Otis e a mãe oculta problemas mal resolvidos entre si já há algum tempo: existe um super controle por parte de Jean, sempre interessada em acompanhar excessivamente de perto o que se passa com o filho; e traumas emocionais em Otis, ligados à forma como ele foi apresentado ao tema sexo na infância. A personalidade de Jean é mais problematizada ainda quando seu arco dramático quebra a imagem de perfeição que poderia ser atribuída a ela: mesmo sendo uma especialista em sexo, a mulher enfrenta dilemas de relacionamento, especialmente quando é mencionado o ex-marido.
Mesmo os personagens coadjuvantes recebem grande atenção do roteiro e são muito bem desenvolvidos. Maeve é considerada na escola uma jovem vulgar e durona, mas guarda dentro de si uma sensibilidade própria e um sofrimento provocado pela imagem que construíram a partir de uma mentira. Eric sente as dificuldades de se sentir aceito na família e na escola, devido à sua homossexualidade e ao seu comportamento performático. Adam é visto como o delinquente juvenil mulherengo, que tem uma fama sexual no colégio, porém é importunado pela pressão de corresponder a essa fama e à rigidez do pai disciplinador, também diretor da escola. Jackson é o atleta considerado perfeito, mas amargurado pela cobrança sentida de todos os lados, que apenas encontra alívio no namoro com Maeve.
A condução dos episódios é realizada com eficiência pela montagem e pela direção. Os cortes rápidos e ágeis são usados tanto para dar dinamismo quanto para construir piadas através da quebra de expectativa; os planos mais longos e gerais de cortes discretos são usados em sequências reflexivas e emocionais. Já os movimentos de câmera são complexos, mesmo para uma história simples, tendo travellings e planos-sequência (como o da abertura da série) para criar a sensação de que o espectador caminha pelo colégio: a mise en scéne repetida como padrão visual é caracterizada por uma câmera que acompanha um grupo de personagens pelos corredores da escola, se desvia para algum lado sem cortes e passa a acompanhar outros alunos.
“Sex education” aborda a importância dada ao sexo como elemento de afirmação da identidade dos jovens e a necessidade imposta socialmente de demonstrar intimidade com a questão. Por outro lado, a série assume como seu um ponto de vista particular, que se diferencia dessa perspectiva citada: outros aspectos importantes, muitas vezes manifestados pelo sexo, também precisam ser considerados, como traumas pessoais, preconceitos, bullying, abandono, exigências de ser bem sucedido e conflitos entre pais e filhos. Ao final, a produção comprova que as relações sexuais precisam ser feitas para agradar aos envolvidos e não para passar alguma mensagem à sociedade.
Um resultado de todos os filmes que já viu.