“SENHORA STERN” – Abordagem leve de assuntos pesados
* Filme assistido na plataforma da FILMICCA (clique aqui para acessar).
A morte não precisa ser um assunto sombrio. É com esse espírito que SENHORA STERN conduz uma trama séria, porém engraçada e leve, sobre o envelhecimento e a vontade de morrer. Mesmo os assuntos mais espinhosos são tratados com essa leveza, o que faz deste um filme deveras agradável.
A senhora Stern do título é uma idosa prestes a completar noventa anos que deseja morrer. Judia sobrevivente do Holocausto, ela procura formas de morrer rapidamente, pedindo ajuda para todos à sua volta enquanto segue uma vida agitada, ainda que solitária.
Não é à toa que “Summertime” é a música favorita da protagonista. No primeiro verso da canção é dito que “é verão e a vida é fácil”: há um momento para a vida fácil, mas esse momento é passageiro e, no caso dela, já se esvaiu. Ahuva Sommerfeld empresta seu carisma à personagem, transmitindo um saudosismo pelos áureos tempos em que foi feliz ao lado do marido. Naquela época, era verão. Antes e depois, provavelmente um tenebroso inverno. Antes, durante a Segunda Guerra, quando ela, enquanto judia, era perseguida e sobreviveu – diversamente de seus familiares. Depois, quando encontrou a solidão decorrente da morte do marido.
A senhora Stern não se esqueceu do que ocorreu durante o Holocausto. O sofrimento pretérito, de acordo com o que ela declara expressamente, ainda está na sua memória e ainda lhe causa dores. No presente diegético, porém, há um vazio inebriante. A sobrevivência aos nazistas poderia justificar uma vontade de valorizar a própria vida, contudo novamente ela é expressa ao afirmar que a vida se tornou um fardo. Agora, a solidão é traduzida pelo diretor e roteirista Anatol Schuster em cenas sufocantes. Quando ela se alimenta, ouvem-se apenas os sons diegéticos, enaltecendo esta solitude. Mesmo quando ela tem a companhia, por exemplo, de seu cabeleireiro (e amigo pessoal), não tarda para fumar na sacada ou estender-se no sofá sem companhia alguma.
A morte lhe é banal. “Eu quero morrer. Simples assim”, diz a senhora Stern para seu vendedor de cigarros. Para ela, a vontade de morrer é simples, pois não há mais nada a ser feito aqui. Mesmo quando um médico elogia sua condição de saúde, o que ela quer é que ele a ajude a realizar a sua vontade. Pode parecer pouco para uma continuidade narrativa, mas a protagonista é uma personagem multifacetada o suficiente para não permitir que sua empreitada acabe na monotonia. Ela pratica atos pouco comuns para sua faixa etária, mas não sem ter plena consciência do que faz – mesmo flagrada, não há arrependimento. Bem humorada, ela ri e se diverte com a neta, Elli (Kara Schröder), além dos jovens amigos desta, com quem aquela se sente confortável. Há uma explicação para que considere os jovens seus amigos, o que não elimina o paradoxo do aconchego justamente com quem mais tem alegria de viver.
Pela sua idade, a senhora Stern sabe que “amor não é só dar e receber, é também renunciar”, sabedoria que obteve com o passar dos anos. Contudo, isso não a impede de ser curiosa sobre, por exemplo, dormir com mais de um homem. Para ela, não existe tabu: pouco importa se o cabeleireiro seja casado, um flerte com ele (que ele sequer leva a sério) é um deleite. Afinal, ela mesma fala em mais de uma oportunidade que a idade não a impede de sentir desejos carnais. Mesmo os assuntos sérios são explorados com humor, havendo no longa uma comédia amena. Saem risadas, por exemplo, do local onde o traficante esconde as drogas, da fala do médico sobre eutanásia, da cena no trilho do trem e do limite da flexibilidade de horário do trabalho de Elli. Não é uma comédia de risos eufóricos, mas de risadas tímidas coerentes com um feel good movie.
Há um claro domínio da mise en scène, como nos cenários (uma Menorá no fundo do plano), no uso de plano holandês (quando a protagonista se sente tonta) e na escolha do figurino (sempre com uma peça vermelha ou preta, simbolizando a morte). Alguns aspectos poderiam ser melhor explorados, como a relação entre a protagonista e sua filha, outros o são na medida certa, como os novos vizinhos. A trilha musical é de uma comédia de estranhamento, compatível com a proposta. “Senhora Stern” não é (nem parece pretender ser) um filme inesquecível, é um momento aprazível e uma breve lição sobre como é possível abordar com leveza algo pesado.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.