“SEM AR” – O hermetismo da aventura angustiante
Filmes de sobrevivência podem ocorrer no espaço (“Gravidade” e “Perdido em Marte”) ou em terra firme (“Náufrago”). A sobrevivência pode ser um fim em si mesmo (“O impossível”) ou um objetivo (“O regresso”). As condições adversas podem ser estritamente realistas (“127 horas”) ou bastante ficcionais (“Zumbilândia”). Com o marketing de que seria “mais intenso que ‘A queda”, SEM AR realmente consegue ser intenso, contudo menos hermetismo lhe garantiria maior qualidade.
As irmãs May e Drew estão prestes a fazer um mergulho sozinhas em um local remoto. A conversa entre elas é breve e nada calorosa, o mar talvez as (re)aproximará. A aventura muda quando May fica presa em uma rocha e o oxigênio se esgota a cada respiração.
A direção do inexperiente Maximilian Erlenwein é uma grata surpresa, pois o cineasta, de modo geral, usa bem as ferramentas que ampliam as sensações que pretende transmitir. Na sua mise en scène, o mar é explorado em sua imensidão, como no plano médio em que as irmãs estão de costas para a câmera, mas também em seus espaços reduzidos, como na claustrofóbica câmara de ar. Erlenwein coloca o público junto a Drew: a areia da queda das rochas deixa tudo nebuloso, a pouca visibilidade se transmite nos planos abertos, o que muda nos planos fechados tal qual enxerga a própria personagem. Também o som faz parte dessa construção imersiva, pois a comunicação entre as duas começa a falhar. O filme, em síntese, transpõe sensações como a angústia e a aflição enquanto acompanha Drew – o mesmo não ocorre com May -, o que é elevado à medida que mais adversidades surgem.
Igualmente imersivo é o desenho de som, seja pela edição traduzida em ruídos diegéticos naturalistas, pela mixagem que simula o abafamento típico de “ouvido entupido” ou pela trilha musical relativamente discreta. O uso da canção “Only you” pode parecer uma indicação singela da diferença entre May e Drew (a primeira é mais séria, dado que não gosta dessa música), porém ela serve dentro da narrativa em uma cena onírica que faz sentido naquele momento. O visual também é empregado para dar indicativos: o vermelho do carro representa o perigo que estão prestes a correr (sobretudo considerando o quanto destoa da fotografia dividida entre o arenoso do deserto e o azul do mar e do céu) e as unhas coloridas de May denotam uma personalidade extrovertida. Tanto sonora quanto, mais ainda, imageticamente, o longa não negligencia seu lado contemplativo em favor da imersão na apreensão. Assim, os establishing shots são demorados sem prejudicar a pressa com que Drew deve agir para salvar May; literal e metaforicamente, caranguejos não param sua trajetória apenas porque Drew corre apressada carregando um cilindro.
A obra acerta quando não perde tempo no que não precisa. Quando as irmãs entram no mar, o mergulho precisa ser lento e em tom de admiração, porém o momento não pode demorar a ponto de atrasar o incidente incitante (que ocorre com menos de quinze minutos, dentro do total de aproximados noventa). O erro, entretanto, acaba sendo justamente quando a película sai do hermetismo da agonia e da submersão do público. Certamente saídas desse tipo são necessárias, todavia o roteiro de Erlenwein e Joachim Hedén tem um vazio concernente às externalidades do evento diegético. May (Louisa Krause) é a mais racional, mas também a mais ranzinza; Drew (Sophie Lowe) é a menos responsável, mas a mais preocupada com a irmã. Percebe-se que o relacionamento entre elas está desgastado, o problema é que esse desgaste é muito mal explicado. O backstory, ausente, faz muita falta. Aparecem flashes sugestivos, um deles, em subjetividade mental, é quase esclarecedor, mas o filme dá poucas explicações. Basicamente, resta a apenas um breve diálogo revelar que a comunicação entre elas não é sincera – o porquê, todavia, não surge com eficiência.
Desse modo, a narrativa tem um vazio externo, como se a história pregressa das personagens fosse indiferente, dependendo demais das adversidades, que são ótimas, mas insuficientes. O texto coloca Drew face a escolhas, no intento de falar para o espectador que é disso que a vida é feita, o que, todavia, não particulariza o filme. O que ele quer dizer em especial é que May perdeu sua joie de vivre, porém a maneira com que isso é dito é frustrante. Trata-se de uma escolha, pois o filme prefere se fechar no desespero da aventureira que pode morrer afogada, deixando de lado o drama da irmã que (por motivos obscuros) perdeu o bom humor.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.