Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“SEGUNDO TEMPO” – REVISIONISMO INSUFICIENTE

O desconhecimento em relação às raízes é um grande dilema no que diz respeito à formação de identidades. A falta de noção sobre à própria história tende a sufocar o autodescobrimento, determinando sequelas psicológicas que muitos se vem obrigados a enfrentar. Por trabalhar com o imagético, o Cinema se provou um grande meio de exploração dessas dificuldades, exímio ao navegar pela visualidade das memórias – por vezes aprisionadas na mente de nossos protagonistas – e debater sobre as suas consequências. Não surpreende assim que inúmeras narrativas de busca sobre passados pessoais sejam concebidas, caso aqui do brasileiro SEGUNDO TEMPO.

Após o súbito falecimento de seu pai, os irmãos Carl e Ana percebem a enorme falta de conexão com relação as suas origens. Eles levam uma vida apática e pecam em encontrar um propósito, mergulhando em uma profunda melancolia após a perda daquele que os criou. O encontro de documentos misteriosos os motiva a investigar a sua história, levando eles a uma jornada que mudará as suas vidas através da Alemanha.

Dirigido por Rubens Rewald, é interessante o uso de uma apatia inicial que toma conta do projeto. Apesar do início alavancado por uma partida de futebol – esporte que, revelado como uma possível paixão de Carl, justifica o título -, o registro das ações é logo tomado por uma mecanização que desumaniza às personagens. Tudo ali é circundado por uma atmosfera oca, refletida pela rapidez de planos que em poucos segundos são abandonados, que acelera o passar o tempo e antecipa a tragédia anunciada.

(© Pandora Filmes / Divulgação)

Nesse processo, é interessante perceber como esse estado apático toma conta dos dois irmãos, igualmente desamparados apesar das diferentes formas de manifestação. Se Carl faz do luto algo a ser ignorado, passando logo a investir na possível aproximação com um histórico que nunca lhe interessou, Ana usa o mesmo como uma força paralisante, descompassada com o único parente que lhe restou.

Isso permite ao filme estabelecer uma alternância orgância entre a revisitação de lembranças apagadas – e que na encenação de flashbacks dão uma maior dimensão para a presença do falecido pai -, que fragmenta o projeto entre a o cotidiano morno que os reveste e lapsos de uma vida antiga.

Chama a atenção, inclusive, como esses últimos são também contaminados por essa supressão, dando uma continuidade anterior aos conflitos internos a essa família e permitindo ao espectador se dividir entre o lado positivo e negativo dessa viagem de descobrimentos.

Apesar desse foco que orbita as sensações de suas personagens – embora mesmo nesse ponto haja o desequilíbrio errôneo entre a presença de Priscila Steinman e a atuação de Kauê Telloli, que nunca encontra o seu espaço para transmitir o amadurecimento de sua figura -, bem aproveitada na maneira estética como o microcosmos ao seu redor transpira esses estados, infelizmente o arco dessas duas presenças não ganha o aproveitamento merecido.

Embora mereçam destaques alguns momentos ambientados na nação alemã – caso da sequência ambientada em uma balada, por exemplo -, geralmente atribuídos à exploração da natureza interna dos dois irmãos, é frustrante que a direção nunca consiga encontrar uma harmonia entre o contexto histórico que deseja abordar e as modificações que este deveria imperar.

Não que esse descompasso não seja bem vindo se considerada a proposta, mas a forma como a direção relativiza discussões relacionadas ao nazismo – especialmente no desfecho aberto que parece pouco agregar à pauta e sequer ao amadurecimento dos irmãos -, se ausentando de mergulhar verdadeiramente na complexidade que o legado do pai poderia proporcionar, naufraga o desenrolar da produção. É como se o estado de paralisia inicial nunca fosse superado, sem que seja essa a intenção final.

Por conta disso, o encerramento que emula uma doçura passageira parece insuficiente, como se as personagens tivessem sido abandonadas no meio do trajeto, incapazes de encontrar o verdadeiro caminho que deveria estar inscrito em seu mapa. Sendo assim, “Segundo Tempo” apresenta uma atmosfera intrigante, que bem utiliza a complexidade interna da sua dupla de protagonistas. Conforme se aproxima de discussões mais concretas, entretanto, o longa peca em harmonizar seus traços mais abstratos e uma abordagem mais direta, falhando em ter uma direção à altura das temáticas que anseia abordar.