“RRR: REVOLTA, REBELIÃO, REVOLUÇÃO” – Tollywood é logo ali (ou quase)
RRR: REVOLTA, REBELIÃO E REVOLUÇÃO é um magnífico exemplar do cinema Telugu. Diferentemente dos filmes de Bollywood, os de Tollywood são geralmente falados em Telugu (e não em hindi) e têm em Calcutá a sede de sua indústria. Nos dois casos, entretanto, são muitas as características distintas daquelas com as quais o público ocidental está acostumado (sobretudo dos blockbusters de Hollywood), como o idioma, a dublagem, a cultura e, principalmente, o exagero. Há, porém, uma característica em comum. Além disso, mesmo as discrepâncias não são tão grandes quanto parecem.
Na década de 1920, a Índia ainda estava sob domínio colonial britânico, de modo que apenas uma revolta faria com que os maltratados indianos pudessem conquistar sua independência e sua liberdade. Bheem começa uma batalha pessoal para recuperar sua irmã dos britânicos, mas em sua caminhada se vê diante de uma rebelião da qual pode se tornar herói enquanto faz amizade com Raju sem saber que ele é um soldado a serviço da coroa britânica.
O que pode causar estranheza ao espectador ocidental é o idioma, a dublagem e a cultura: o primeiro, por ser bem diferente daquele com o qual está acostumado (embora existam muitas falas em inglês, pois Tollywood não exclui peremptoriamente outros idiomas); a segunda, por causar um descompasso facilmente perceptível entre diálogos e movimentos labiais; e a terceira, por existirem símbolos, expressões e mesmo figuras históricas provavelmente desconhecidos (como os rostos que aparecem ao final). Contudo, são filigranas diante do que “RRR” simboliza e transmite em termos de representação e emoção.
Na representação, o longa se propõe como um conto parcialmente fantástico sobre a batalha travada pelos indianos por sua liberdade. O roteiro de S.S. Rajamouli (também diretor da obra), Sai Madhav Burra e Madhan Karky (elaborado a partir da história de Vijayendra Prasad), se esmera em demonstrar os maus-tratos dos britânicos, denunciados com uma maldade unidimensional (apenas uma personagem é exceção), dado que tudo serve de motivo para violência cruel e sádica. O objetivo aqui não é propriamente uma fidelidade histórica (até porque o Brasil aparece em um mapa como colônia britânica), mas abraçar um discurso anticolonialista enquanto engrandece suas duas lendas principais, Bheem (N.T. Rama Rao Jr.) e Raju (Ram Charan Teja).
Os dois surgem como antagonistas (ou seja, em lados opostos) com propósitos egoístas (resgate da irmã versus ascensão no exército britânico), mas o roteiro costura modificações que os aproximam e emocionam – mesmo que para um enfrentamento. Nos minutos iniciais de suas mais de três horas (outra característica de Tollywood), Raju aparece como fogo e Bheem como água, o que se torna graficamente empolgante quando aquele usa uma tocha e este usa uma mangueira em uma luta. Eles são constantemente contrapostos (mesmo no momento de amizade, Rajamouli os coloca em um two-shot frontal separados por um arame farpado), como no uso do meio de transporte (cavalo para o primeiro e motocicleta para o segundo) e mesmo o elo de amizade não é suficiente para evitar o previsível confronto.
É nessa ideia de confronto que afloram cenas de ação hiperbólicas, mas divertidíssimas. É preciso aceitar o surrealismo amplamente adotado no filme, como na longa sequência em que Raju captura um indivíduo em uma multidão e na que Bheem captura um tigre (não à toa, os momentos em que são apresentados, como um cartão de visitas do diretor dizendo ao público que a suspensão de descrença precisa ser gigantesca). O exagero está em tudo: na atuação cartunesca dos vilões, na bravura imensurável das personagens principais e em seus feitos (o salvamento do menino, por exemplo), no edifício nababesco onde mora Jenny (ainda que isso deva ser fiel ao real) etc. Porém, há coerência nos excessos, pois apenas assim o heroísmo de Bheem e Raju se torna lendário e apenas assim Rajamouli consegue imprimir um tom épico à sua obra. Há uso intenso de slow motion, a trilha musical injeta sentimentos fortes sempre que surge e mesmo os números musicais são elaborados com grandiosidade (seja no vigor das movimentações de dança, seja pelo número de dançarinos que aparecem do nada).
A característica em comum entre “RRR”, enquanto representante de Tollywood, e os filmes de Hollywood, é sua eficácia (nem sempre atingida, evidentemente) para entreter. O longa indiano tem falhas de roteiro e pode ser um pouco cansativo pela sua duração, mas mesmo esses atributos estão presentes nos grandes blockbusters – como ocorre com “Avatar: o caminho da água” (clique aqui para ler a nossa crítica). O mesmo vale, dentre outros, para “Vingadores: ultimato” (clique aqui para ler a nossa crítica). Logicamente, são filmes de escolas distintas, mas é possível perceber uma aproximação: atmosfera épica e vibrante, roteiro questionável e duração extensa. Ainda que, mesmo nesses elementos, haja divergências de grau, forma, conteúdo e estilo, Tollywood pode não estar tão distante quanto parece.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.