“ROCKY: UM LUTADOR” – O desfecho tem pouca relevância
Apesar de alguns defeitos não irrisórios, ROCKY: UM LUTADOR conseguiu superar o já satisfatório status de ótimo filme para entrar na galeria dos clássicos do cinema. Poucas obras conseguem criar momentos inesquecíveis como este fez, ultrapassando os limites da sétima arte para se tornar um fenômeno cultural que tem a ousadia de dizer que as batalhas da vida não se reduzem a seus resultados.
Sem visibilidade no boxe, Rocky Balboa tem no trabalho para um agiota, cobrando seus devedores, a sua atividade principal. Certo dia, ele recebe uma oportunidade capaz de mudar sua vida: enfrentar o campeão dos pesos pesados. Para o combate, porém, ele sabe que é necessária uma preparação intensa.
O nome Sylvester Stallone é automaticamente associado a Rocky, tamanha a sua identificação com o herói fictício idealizado por ele (que rendeu uma franquia e uma franquia de spin-offs). No longa de 1976, Stallone é roteirista e protagonista, funções que ele não exerce com maestria, mas que ainda assim lhe concedem algum encanto e lhe deram grande visibilidade. O jeito simplório e pueril de Rocky talvez fosse idêntica à do ator na época, mas não faz sentido afirmar que sua interpretação seja boa, pois sua dificuldade em variar expressões faciais é patente. Ele parece uma pessoa cujo rosto foi congelado, impedindo-o de manifestar sentimentos através da face. Por outro lado, vocalmente, a entonação pouco variada representa certa brutalidade que combina com o protagonista.
Também não se pode afirmar que o script de Stallone não cria um protagonista sólido. A centralidade de Rocky no filme (que justifica seu título) depende das duas personas quase antagônicas nas quais ele se divide. A primeira é o “garanhão italiano”, referência direta ao softcore de que Stallone participou seis anos antes. Trata-se do pugilista sem grande destaque que cobra os devedores do agiota. A segunda persona é o Rocky distante do ideal de masculinidade da época, é sua versão sensível, romântica e altruísta. A sensibilidade está, por exemplo, na maneira como conversa com seus animais de estimação; o romantismo está nas interações com Adrian; o altruísmo, na preocupação com a maneira como Marie pode ser vista em razão da sua conduta moralmente reprovável. É fácil, quase cinco décadas após o lançamento da película, considerá-la moralista, mas isso seria anacrônico e desimportante. Afinal, o que é importante não é o comportamento da moça, mas o zelo de Rocky dirigido a ela.
Quanto a Adrian, ela constitui um dos maiores problemas do longa, tanto pela atuação ruim de Talia Shire quanto pelo estranhamento da interação dela com o protagonista. No primeiro encontro, ela está desconfortável e não quer ir ao apartamento dele (mas vai), ela continua desconfortável enquanto ele fica de regata e a chama do sofá (para onde ela não vai), e o desconforto atinge o seu ápice quando ela declara que quer sair e ele a encurrala, pedindo para ficar. Não é meramente um olhar atual, mas uma verdadeira inabilidade do diretor John G. Avildsen em criar uma atmosfera romântica. Colocar o casal em primeiro plano se beijando poderia ser encantador, mas soa muito forçado depois de Rocky não respeitar o “não” que recebeu. Este é talvez o único erro da direção, que, em outros quesitos, compensa a singeleza do roteiro – por exemplo, o zoom in na fotografia de Rocky criança é uma alusão àquele adulto infantil que, entrevistado na televisão, se dirige a Adrian.
Avildsen trabalha bem as contraposições, como a das duas personas de Rocky e à deste com Apollo (Carl Weathers, com pouco tempo de tela) – enquanto o primeiro é limitado com as palavras, o segundo tem boa oratória; enquanto o protagonista é discreto e cola publicidade no robe, o antagonista é um showman que exala o patriotismo em seu figurino pavoneante. Apollo vai além e enxerga em Rocky um parceiro para expor e defender o american dream, já que ambos consideram que “a América é a terra das oportunidades”. Consciente da dificuldade do desafio, a segunda parte do filme, do ponto de vista temático (sendo a primeira a de apresentação e romance), é a preparação para a luta, para aproveitar a oportunidade. É o que o longa oferece de melhor: Rocky não anda mais cabisbaixo pelo bairro à noite, agora ele corre antes de amanhecer; se na primeira vez a escadaria do Museu de Arte da Filadélfia parecia exaustiva, na segunda vez, no clímax de uma icônica sequência elíptica (com a maravilhosa Leitmotiv “Gonna fly now”), ela é a tradução da autossuperação.
“Rocky: um lutador” é um drama esportivo que empolga na terceira parte (a da luta) em razão de a montagem ágil transmitir a adrenalina do combate. Porém, Rocky verbaliza o fato de que o desfecho tem pouca relevância, o que é realmente relevante é lutar com todas as suas forças. Para isso, ele precisaria mudar sua rotina, treinar como nunca, se privar um pouco do namoro e se reconciliar com Mickey, de quem guardava enorme mágoa. Diante desse panorama, ele certamente não seria “só um vagabundo da vizinhança”.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.