“REDENÇÃO” – Tema político para um filme apolítico
Desde o século XIX, os conflitos entre a Espanha e o País Basco já ocorriam na Europa. As tensões se intensificaram no século seguinte com a fundação do ETA, braço armado da luta pela independência da região e pela constituição de um Estado autônomo e socialista. Esse é o pano de fundo para a trama de REDENÇÃO, drama baseado em uma história real com elementos ficcionalizados, como a abertura do filme já indica. As consequências das ações armadas da organização para vítimas e perpetradores é um tema que deixa claro sua dimensão política imediatamente, porém a realização formal da premissa esvazia discussões complexas sobre justiça, reparação, violência e reconstrução nacional.
Maixabel Lasa perdeu o marido assassinado por membros do ETA. A partir daí, passa a liderar a Associação de Vítimas do Terrorismo. Dois dos responsáveis foram presos e, onze anos depois, ela se vê diante de uma escolha difícil: aceitar ou não se encontrar com um dos assassinos, Luis Carrasco, que quer pedir perdão e está disposto a responder qualquer pergunta. Enquanto a mulher decide o que fazer, Ibon Etxezarreta, outro assassino, enfrenta o isolamento e a rejeição dos ex-amigos e companheiros de prisão.
Uma história baseada em eventos reais pode colocar a questão de como dramatizá-los na ficção, ficando no limiar entre registro histórico a partir da reconstituição que se pretende fidedigna e a leitura autoral de um realizador que pode fazer escolhas com base na dramaturgia. O diretor Icíar Bollaín tenta combinar um pouco das duas opções, apesar de a abertura se esforçar para reconstruir o que pode ter sido o atentado contra o político Juan Mari Jáuregui. A dramatização do assassinato é apressada, interessando-se mais em servir como uma sequência informativa do que como um momento de impacto emocional. Isso se percebe na dificuldade de encenar como a esposa e a filha recebem a notícia, pois elas anteveem a emoção necessária sem qualquer elemento disparador na cena. Contraditoriamente, o estabelecimento dos conflitos históricos e a situação da Espanha carece de mais informações para que o público não se disperse e consiga acompanhar tudo que está ao redor da morte e de seus desdobramentos políticos.
O avanço cronológico da narrativa para os momentos em que o julgamento dos assassinos ocorre e, em seguida, estão presos dificulta a compreensão dos espectadores. Ainda assim, a confusão inicial se dilui quando a obra estabelece que o interesse maior está na confrontação de Maixabel contra Luis e Ibon. O confronto verbal faz aparecer as questões a serem discutidas, muitas em quantidade e complexas por sua natureza política, filosófica e emocional. Na prisão, os dois homens fazem parte de um grupo que rejeitou a luta armada e deixou a organização. Esse núcleo propõe reflexões sobre a responsabilização pelos crimes (os indivíduos isoladamente ou o ETA como um todo?) e as possibilidades de arrependimento (seria possível uma justiça reparativa? O que significaria para eles ficarem cara a cara com as vítimas?). Em paralelo, as interações da protagonista com a filha e os colegas de militância abrem espaço para se pensar a respeito das formas de enfrentar traumas, da dificuldade da escuta em sociedade dos relatos dos familiares das vítimas e das possibilidades de dar o perdão aos assassinos.
Nem todas as questões são aprofundadas, mesmo que estejam presentes e possam ser identificadas a longo da narrativa. As controvérsias políticas em torno das ações armadas e do enfrentamento de suas consequências ocupam pouco tempo de tela, pois as dimensões emocionais de arrependimento e perdão são mais valorizadas. Elas aparecem nas sequências em que a protagonista conversa com Luis e Ibon, já que ela esperava alguma resposta para processar o luto e eles se descobrem precisando verbalizar seus próprios sofrimentos para uma autoaceitação. Icíar Bollaín tem o devido cuidado de construir as cenas de maneira sóbria e clássica sem exageros formais na decupagem. Logo, os diálogos entre eles evitam dois riscos: equiparar as dores das vítimas e as lamentações dos assassinos, como se não houvesse distinções de natureza política nas respectivas experiências, e espetacularizar situações que possuem um caráter íntimo, como se precisassem ser grandiloquentes. No fim das contas, a simplicidade da encenação faz o conteúdo prevalecer por respeito à delicadeza dos temas e não por deficiências estéticas.
As interferências estilísticas do cineasta se manifestam quando a narrativa deixa os encontros entre os três personagens principais. É possível identificar mais claramente alguns recursos que não são tão clássicos nos acontecimentos que orbitam os três indivíduos. As composições das atuações se completam graças à ideia de direção de atores proposta por Icíar Bollaín. Blanca Portillo torna Maixabel o centro emocional da produção transitando entre a força de sua causa política e o sofrimento de sua tragédia pessoal, Luis Tosar demonstra a instabilidade psicológica de Ibon dividido entre suas próprias dores ocultadas e a assertividade na luta contra injustiças contra ele e Urko Olazabal faz Luis incorporar tanto uma amargura contra si mesmo que parece perder traços de sua personalidade. Outras técnicas usadas não passam de escolhas formais repetitivas vistas em outros filmes e presentes aqui sem autoralidade, como a trilha sonora evocativa das condições internas dos personagens e os efeitos sonoros simbólicos de memórias traumáticas persistentes no presente.
Definitivamente, “Redenção” tem fragilidades que aparecem e desaparecem da abertura até a conclusão. O ponto mais problemático que se acentua com o passar do tempo é a representação da política a partir da trama. Inicialmente, os problemas parecem se resumir à superficialidade de não querer se debruçar sobre disputas nada maniqueístas. Em dado momento, Maixabel se refere à promoção de amparo e de garantia de direitos humanos a quaisquer pessoas atingidas pela violência, seja por ações do ETA, seja por ações do Estado espanhol. Tais contradições não reaparecem e deixam o discurso final mais simples. Acima de tudo, a narrativa vai em uma descendência rumo a uma perspectiva conciliatória que torna tudo apolítico, ou seja, empobrece as discussões políticas por um viés que acredita na resolução de conflitos através do amor e da empatia. Exemplo disso é a sequência final que tenta integrar vítimas e assassino desconsiderando as diferenças de natureza política entre memórias, emoções e identidades de múltiplos sujeitos.
Um resultado de todos os filmes que já viu.