“PROMESSA AO AMANHECER” – Emociona no passional e deslumbra no visual
Como um drama biográfico, PROMESSA AO AMANHECER é um filme tocante que extrai muita emoção de uma história singela, resultando em uma produção excelente. Embora o plot acompanhe a vida do escritor Romain Gary, o que é central no enredo é a relação deste com a sua mãe, Nina, um amor que representa devoção radical e um fardo ao protagonista. Como fio condutor da trama estão as fases do protagonista, em uma vida de altos e baixos.
Interpretada magistralmente por Charlotte Gainsbourg, Nina é uma mãe de excessos: excessivamente orgulhosa e expansiva, chega a ser sufocante. Ela não percebe quando ridiculariza o filho perante os vizinhos quando ele ainda é criança, o protege das suas próprias fragilidades e o ensina sobre patriotismo, força de vontade e mulheres – sobre o último tema, ela é tão cega que acredita quando ele inventa histórias para proteger a mãe. Nina é uma motivadora, quase uma coach, que, todavia, exagera na ambição – o que dá ensejo a um deslize do roteiro, a título de liberdade humorística, envolvendo Hitler. A imagem que ela faz para os outros sobre Romain é de um príncipe, algo maior do que ele realmente é, ainda que, quando estão a sós, ela o cobre e o exija muito.
O problema é que tão desmedido quanto o orgulho nutrido por Nina é a intervenção exercida na vida do filho – ela chega a afirmar que sabe melhor que ninguém o que é melhor para ele. Com isso, ela decide sua roupa, suas namoradas e sua profissão, falando sempre no imperativo, mas nunca com fins pedagógicos. Nina impõe a Romain uma responsabilidade gigantesca ao afirmar que largou o teatro por ele, demonstrando que, mesmo que ela tivesse potencial, caberia a ele se tornar grande, a partir da imagem projetada por ela. Romain percebe que ela tinha “sonhos ingênuos e desmedidos”, o que não o impede de dedicar a vida a ser digno dela. Embora ele a enfrente a partir da adolescência, o amor entre os dois sempre foi extremo, quase patológico, uma devoção assustadora que, de um lado, o proibiu de fazer o que realmente queria, mas, de outro, salvou sua vida (ao menos do ponto de vista dele).
Não é fácil compreender o que esse filho único de mãe solteira sentia, o que enaltece ainda mais o trabalho estupendo de Pierre Niney como o protagonista quando adulto. Romain é um filho leal que defende Nina com a própria vida se necessário, de modo que Niney atribui à personagem uma visceralidade descomunal. Tanto ele quanto Gainsbourg são eficientes no trabalho de envelhecimento de suas personagens, embora ela se destaque mais nesse quesito ao retirar a vivacidade da voz. O penteado e a maquiagem são igualmente eficazes para envelhecer os dois.
Outro destaque positivo é a magnífica direção de Eric Barbier, corroteirista do longa, juntamente com Marie Eynard. Barbier surpreende logo no prólogo, com um paradoxo proposital através de um raccord de som que subverte a expectativa gerada pela primeira imagem. Considerando o longo período da cronologia adotada na película, as elipses são sempre bem orgânicas, sendo possível acompanhar naturalmente a evolução da dupla principal – destacam-se uma linda elipse do crescimento de Roman, da infância para a adolescência, no mar, e outra, igualmente bela em termos cinematográficos, através do reflexo de um retrato na parede, quando ele passa à juventude. Não querendo reduzir-se a enquadramentos convencionais, há uma cena de sexo em que a câmera faz um movimento espiral bastante poético. No ápice dramático, o diretor usa zoom out, reduz progressivamente a iluminação e aumenta o volume de uma canção triste – a trilha musical, por sinal, é bastante presente e condiz com o filme. Os efeitos visuais são frágeis em uma cena de guerra, todavia há que se considerar que “Promessa ao amanhecer” não é um filme de guerra, de modo que a emoção que a cena transmite (boa parte graças à atuação de Niney) é muito mais importante que a execução técnica.
A direção de fotografia de Glynn Speeckaert, aliada ao design de produção de Pierre Renson atribuem à película uma estética impecável, acompanhando os períodos da vida de Romain. Na Polônia, quando ele é criança, há muita neve, com edifícios acinzentados, figurino de cores escuras (como preto e marrom), muito uso de contraluz e iluminação majoritariamente precária, além de uma imagem levemente desfocada e sem muita nitidez. Quando ele e Nina chegam em Nice, encontram sol e cores mais claras (em uma estação de trem, inclusive), aumentando a iluminação e enaltecendo a direção a vista para o Mediterrâneo. Por exemplo, o hotel de Nina tem presentes tons amarelados e alaranjados, cores quentes que representam o sucesso. Quando começa a Segunda Guerra, há um retorno ao visual escurecido, usando tons pastéis e esverdeados na fotografia arenosa quando o longa se passa na África. Speeckaert é genial no trabalho de iluminação, em especial quando Nina aparece na penumbra, conversando com o filho.
“Promessa ao amanhecer” é resumido pela cena comovente em que Romain ajuda uma idosa africana, enxergando nela a sua mãe – é a síntese simbólica do amor que sente por Nina. O roteiro, baseado no livro homônimo, transformou-se em uma produção que emociona no passional e deslumbra no visual. É um filme que comprova que o minimalismo é um bom caminho para um resultado esplendoroso.
Filme assistido no Festival Varilux de Cinema Francês 2018.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.