“PETS: A VIDA SECRETA DOS BICHOS” – Toy story versão animal
PETS: A VIDA SECRETA DOS BICHOS claramente se inspira em “Toy story” para criar sua história sobre os bichos de estimação e as relações com seus donos. Essa inspiração oferece um risco grande porque, inevitavelmente, comparações seriam feitas, o que, de fato, acentua suas fraquezas. Quando tenta construir seu próprio universo, a animação até se sai relativamente bem com situações que o público pode reconhecer como naturais nas relações com os animais. Porém, quando tenta desenvolver a narrativa à semelhança do filme da Pixar perde em carisma, humor e desenvolvimento temático.
O ponto de partida do universo é Max, um cão que mora com sua dona Katie em um apartamento em Manhattan. A relação entre eles é tão forte que eles mal se desgrudam e têm várias experiências boas juntos. O cenário muda quando ela leva para casa mais um cão para viver com eles, Duke: Max deixa de ser o centro das atenções e logo se desentende com o recém-chegado pelo posto de cachorro favorito de Katie. Quando eles correm o risco de serem capturados pela carrocinha e se deparam com uma gangue de animais de rua, os dois precisarão unir forças para retornar para casa.
Os primeiros minutos são os melhores justamente por não se preocupar em emular “Toy story”. É quando a preocupação da produção é estabelecer a cosmologia das relações entre animais e donos, principalmente dirigindo seu foco para Max e Katie – no prédio onde os personagens vivem são apresentadas as dinâmicas entre cães, gatos, peixes e pássaros com os humanos, desde brincadeiras, alimentação até trocas de carinhos. A partir da saída dos donos para o trabalho, o roteiro mostra os bichos como seres falantes, interagindo entre si e fazendo o que querem livremente, como comer qualquer alimento, ouvir música, assistir à TV e passear pelos apartamentos. Existem, inclusive, passagens cômicas que refletem atitudes inesperadas ou condizentes com suas características, como dar uma festa ao som de rock’n roll, cachorros correrem atrás de uma bolinha, beber água da privada e gatos perseguirem uma projeção de luz.
Apesar dos méritos da abertura da animação, a maior parte da narrativa progride se aproximando cada vez mais da obra da Pixar. Desde que Duke foi levado para casa, a interação entre ele e Max criou uma oposição entre animais domesticados e animais de rua. Tornando-se o tema principal, esse contraste é reforçado quando os dois cães se perdem e precisam retornar ao apartamento, encontrando no caminho animais “revolucionários”, liderados pelo coelho Snowball, que querem derrubar a hegemonia dos humanos e se recusam a pertencer a alguém. A consagrada discussão de “Toy story” sobre viver em função do dono ou desfrutar da liberdade e não correr o risco de ser abandonado reaparece aqui sem nenhum acréscimo relevante. Nesse sentido, a mensagem acerca da importância do amor entre bichos e humanos já foi trabalhada antes de forma mais instigante e complexa, o que deixa esse filme muito simplista.
Não somente o tema carece de alguma complexidade como também a própria narrativa. A trama se desenrola de forma extremamente simples, simplesmente acumulando desafios e sequências de ação em uma espiral ininterrupta – por exemplo, de uma perseguição ao esgoto até a invasão em um centro produtor de alimentos há pouquíssimo para costurar as duas situações tão distantes. O objetivo primordial de entreter o público infantil é entendido pelos realizadores como um esforço para investir em um humor físico e superficial, minimizar os riscos das ameaças aos personagens (a carrocinha e a gangue de bichos de rua são tratadas de forma tão descontraída que nem parecer criar dificuldades para Max e Duke) e desperdiçar seu próprio tema, afinal o prazer de ter um dono e os significados de viver na rua são logo abandonados sem muito desenvolvimento.
Outro problema causado pela simplicidade da trama e de seu humor infantilizado é a construção dos personagens. São tantas situações cômicas sem envolvimento com a narrativa e feitas para provocar apenas um riso fácil e dispensável, como as quedas do gato na festa dada por um dos cachorros, que os animais não são concebidos como seres de identidades próprias. Assim, se torna mais difícil para o público se importar com eles e torcer para superarem os desafios, afinal o que se vê é uma galeria de personagens nada marcantes – por exemplo, o grupo de amigos envolvidos no resgate de Max constituem diferentes espécies e são lembrados somente pelo design fofo (algo ajudado pelo tamanho de seus olhos), não por alguma característica particular.
Após fazer o enredo progredir em meio a tantas deficiências, superficialidades ou repetições de outras animações, “Pets: a vida secreta dos bichos” reencontra seu lugar quando mostra o que acontece ao final do dia daqueles personagens. Aventuras e perigos ocorreram, mas o que importa para os animais é esperar o regresso de seus donos à noite e vivenciarem novamente o prazer e a felicidade do companheiro. Portanto, é uma pena que o filme não tenha se concentrado na questão “o que os bichos de estimação fazem na ausência dos humanos?” ou na relação entre animais e donos. Nas breves aparições desses momentos, o resultado é mais favorável do que todo o restante do roteiro.
Um resultado de todos os filmes que já viu.