“PATOS!” – Públicos variados
O início de PATOS! sugere um filme sobre família. Entretanto, em sua continuação, o filme abraça uma causa, em defesa dos animais, equiparando-os aos seres humanos em uma roupagem de road movie. Sua ideia governante pode não ter muita contundência, mas o longa se conecta a públicos variados.
O filme acompanha a família Lopato, na qual Gwen e Dax, junto de sua mãe, Pam, tentam convencer o pai, Mack, a migrar no começo da estação. Para isso, o pai superprotetor precisará se despir dos medos relativos a tudo o que há fora do lar e provar para todos – inclusive ele mesmo – a coragem que possui para embarcar em uma aventura.
Em que pese serem Benjamin Renner e Guylo Homsy os diretores da produção, quem chama a atenção nos créditos é Mike White, responsável pelo roteiro junto de Renner. White é responsável por roteiros de qualidade variada, que vão de “Emoji: o filme” à (aclamada) série “The White Lotus” (criada por ele) . Não obstante, costuma prevalecer uma perspicácia para explorar o que há além da superfície. “Patos!” é um bom exemplo de obra idealizada em duas camadas. O filme não explora muito a ideia de migração (e o consequente preconceito, por exemplo) para além de uma personagem chamar a família de “caipiras”, mas se debruça sobre valores familiares, primeiro, e a defesa dos animais, depois.
Os valores familiares são o fio condutor da narrativa, a começar pelo choque de ideais (e de personalidades) entre o casal Pam e Mack. Sem criar muitos atritos, para não transformar a obra em um drama, aquela é a favor de aventuras e este tem enorme receio dos perigos do mundo que ultrapassa o “laguinho” onde se instalaram. Uma mesma história é contada pelos dois aos filhos, mas com encaminhamentos subsequentes bem diversos, da tragédia ao final feliz. O que é diversão para Pam (como o resgate da chave) é uma provação para Mack. No fundo, os dois querem dar exemplos para seus filhos Dax e Gwen. Os menores, por sua vez, são estereótipos singelos: ele, o adolescente que fica abobado ao ver uma garota bonita (felizmente esse clichê não chega a ser desenvolvido) e que começa a desafiar o genitor; ela, a criança frágil cujas necessidades fisiológicas são um problema constante, mas que transborda afeto (inclusive ao perturbar o irmão mais velho). Junto dos quatro viaja ainda o tio Dan, que é apenas o alívio cômico.
Nesse sentido, o roteiro de White é bastante limitado. Contudo, a partir do momento em que os cinco chegam a uma cidade gigantesca – cuja caracterização gráfica deixa claro tratar-se de Nova Iorque, com seus telões enormes, o trânsito acelerado, os arranha-céus e o Central Park -, a ideia do choque entre humanidade e natureza começa a transparecer. A ideia, naquele momento, é que aquele lugar não é próprio para as aves, razão pela qual eles correm diversos perigos resultantes do simples deslocamento. A partir dali, cresce a bandeira da defesa dos animais representada na grande alegoria criada na narrativa. À medida em que ela avança, mais se percebe uma crítica ao comportamento humano predatório, com elementos que reforçam essa noção. O exemplo mais notório desse pensamento é a vilanização de um humano específico e sua desumanização (diferentemente dos animais, ele não tem nome, nem falas), oposta à antropomorfização imagética e ideal das aves. Existem animais potencialmente malvados, mas nenhum humano é bondoso, seu interesse é sempre predatório e individualista, recaindo, no fundo, na cozinha. Logo, em seu âmago, a alegoria é sobre o vegetarianismo.
Na trilha musical, John Powell não tem em “Patos!” o seu trabalho mais criativo, dado que, nas cenas de ação, as composições se assemelham muito às de “Como treinar o seu dragão”, também assinadas por ele. Por outro lado, Colin Stimpson elabora visuais excelentes no design de produção, sobretudo na parte conceitual das aves. Os animais ganham características humanas (reforçando a ideia governante), inclusive com distinções de gênero e idade (penas simulando cabelo, sobrancelhas, cores das penas etc.), mas sem a pretensão de soar natural em demasia. Por vezes cartunescas (a cabeça grande de Lelé, a expressão estilo Gato de Botas de Gwen), as aves esbanjam personalidade.
A direção consegue misturar humor, terror, ação e fofura. O humor se divide entre o visual (Lelé sendo atropelada) e o textual (tio Dan se comparando a Mack); o terror tem na cena envolvendo a garça uma atmosfera muito bem dosada (para não assustar demais o público infantil), sem olvidar do visual impecável da personagem (lilás, corcunda, com olhos esbugalhados, patas longas e garras). A animação 3D (excepcionada pelo uso de 2D no prólogo) é bem explorada nas cenas de ação, em que a câmera se aproxima da ave e, em movimentação acelerada, explora os cenários sem precisar contemplá-los. Quanto à fofura, para evitar a repetição, a função é exercida por Gwen sem cansar o espectador. Essa talvez seja a maior virtude da produção, que não incide em excessos que poderiam torná-la cansativa ou monótona (leia-se, não é infantilizada em demasia, nem panfletária). Ao contrário, ela dialoga o suficiente com o público adulto e o infantil.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.