Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“PARTHENOPE: OS AMORES DE NÁPOLES” – Belo sem beleza

No grego clássico, Partenope significa que tem o rosto de menina, virgem. Segundo a mitologia grega, seriam sereias que fundaram a cidade atualmente conhecida como Nápoles na Itália. As imagens de beleza feminina e suas múltiplas possibilidades são centrais para o recente filme de Paolo Sorrentino, PARTHENOPE: OS AMORES DE NÁPOLES. Na filmografia do cineasta, a questão da descoberta do belo nas situações menos usuais já está presente, mas de forma mais coesa para a trama e o desenvolvimento dramático dos personagens.

(© Paris Filmes / Divulgação)

Parthenope é uma jovem sedutora que carrega em seu nome o charme da lenda mitológica. Ao longo de sua juventude, desperta a paixão de vários homens, inclusive no que seriam romances proibidos, apesar de jamais construir um relacionamento duradouro. Conforme o tempo passa, ela vivencia momentos de pura alegria ou entusiasmo e outros de melancolia que marcam todos aqueles que cruzam seu caminho. A narrativa, então, a acompanha dos dezoito anos até a meia idade, quando aposentada, repensa a vida.

Em trabalhos anteriores, Paolo Sorrentino trabalha os sentidos da beleza de maneiras mais elaboradas. Por exemplo, em “A grande beleza” e “A mão de Deus”, a discussão se encontra com o poder transformador da arte, seja na velhice, seja no início da vida adulta. Em seu último projeto, o belo se resume apenas aos traços físicos da protagonista interpretada por Celeste Dalla Porta, o que a torna uma figura unidimensional na maior parte da narrativa. Todos os personagens masculinos ao redor, como Sandrino (Dario Aita), Raimondo (Daniele Rienzo) e John Cheever (Gary Oldman), tratam como uma deusa, ficam impressionados com seu corpo e desejam uma relação amorosa com ela. A encenação segue a mesma ideia, pois os enquadramentos do corpo da atriz, a construção visual de suas aparições saídas do mar e a decupagem em câmera lenta ou em movimentos giratórios em sequências específicas reforçam o ideal imediatista de beleza.

O filme até tenta ampliar os significados possíveis para a concepção do belo, incorporando Nápoles às escolhas estéticas e ao arco narrativo de Parthenope. Algumas cenas externas são filmadas para conectar o nascimento da personagem ao mar e para tentar dar valor dramático à locação. No entanto, a cidade aparece somente como pano de fundo para as ações e símbolo das belezas naturais da região. Sendo assim, reafirma-se novamente como Parthenope é naturalmente bonita sem aprofundar outras características que ultrapassem os traços físicos. Em contrapartida, as cenas internas exploram com maior atenção a dimensão expressiva dos espaços, mesmo que em momentos pontuais. É o que ocorre quando ela visita duas atrizes renomadas, em busca de auxílio para uma carreira artística, na própria casa de uma delas e na cabine ocupada pela outra em uma embarcação.

A entrada em cena de Greta Cool e Flora Malva, ambas consideradas divas de outras gerações, sugere uma mudança interessante para a questão da beleza associada a padrões corporais. Elas se tornam referências para um desejado futuro profissional como atriz e, contraditoriamente, um alerta para riscos tangíveis: perder a fascinação do público em função dos efeitos da passagem do tempo sobre o corpo, algo que se reflete na busca por operações plásticas e outras estratégias de disfarce da idade. Esse núcleo seria uma boa chance de complexificar a abordagem temática não fosse a substituição por subtramas que insistem na simplificação do tema. Quando uma tragédia se abate sobre sua família, o ângulo escolhido para representá-la recai novamente na sedução e no prazer carnal despertados por Parthenope. E as consequências do acontecimento para a protagonista permanecem dentro de uma superficialidade incômoda.

De certo modo, Paolo Sorrentino se esforça para dar camadas diferentes à jovem. As tentativas esbarram na baixa densidade intelectual que a protagonista parece evocar, o que rapidamente fica evidente por seu convívio com um professor universitário de Antropologia e eventuais pretendentes. As sequências na universidade, quando é perguntada em avaliações orais e interagem com o catedrático a respeito de um projeto de doutoramento, carecem de diálogos com a inteligência pretendida. Perguntas sobre o que é Antropologia e debates sobre uma compreensão antropológica do mundo se repetem com frequência, deixando de lado qualquer conclusão coerente com a trajetória da mulher. Trata-se apenas de uma série de sentenças bonitas e vazias proferidas por ambos. O mesmo vale para as respostas instantâneas dadas aos homens que se aproximam dela e deveriam indicar um pensamento afiado e uma sagacidade para se desvencilhar de situações desconfortáveis. A diegese faz parecer que foram reações inteligentes e tenta esconder o fato de que seriam simplesmente frases de efeito dispensáveis.

O amadurecimento da personagem advindo da passagem dos anos não contribui tanto assim para a progressão do filme. À primeira vista, Celeste Dalla Porta poderia se destacar encarnando uma figura que se esforça para não ser resumida ao seu corpo e atravessa uma espiral de felicidades e decepções típicas da vida. Entretanto, o roteiro não leva muito tempo para novamente mobilizar a beleza física como elemento chave para a relação com o padre Vescovo. Conforme a narrativa avança cronologicamente, outro problema surge: o impacto de uma superficialidade efêmera sobre uma diversidade grande de subtramas. O trauma da perda familiar, a conexão emocional com o catedrático, o paralelo entre a religião e o balanço de uma vida, o preconceito dos habitantes do norte da Itália com as regiões ao sul e os dilemas para o futuro se sucedem com a fugacidade semelhante da visão de beleza resumida a traços físicos. Ao final, a versão idosa da protagonista vivida por Stefania Sandrelli confere uma melancolia interessante que os espectadores até conseguem discernir em parte, mas sem senti-la plenamente. Isso se dá porque “Parthenope: os amores de Nápoles” idealiza tanto sua musa que ela se mantém distante de quem convive com ela na diegese e de quem a assiste pela tela do cinema.