“PANTERA NEGRA: WAKANDA PARA SEMPRE” – O anti-herói que é o herói
O falecimento de Chadwick Boseman foi um triste acontecimento por força do qual os planos para a continuação de “Pantera Negra” (clique aqui para ler a nossa crítica) precisaram ser alterados. Essa circunstância seria propícia para um resultado caótico, mas não é o que ocorre com PANTERA NEGRA: WAKANDA PARA SEMPRE, que, apesar de inferior ao antecessor, encontra em um anti-herói um herói.
Com a morte de T’Challa e sem a Erva Coração, Wakanda é vista como vulnerável por todos aqueles que querem o vibranium existente na região. Com tal intuito, foi desenvolvido um detector do metal, que o encontrou no fundo do mar, despertando a ira de uma civilização submarina cuja existência era até então desconhecida. Sabendo que o vibranium se tornou conhecido graças à fama mundial do Pantera Negra, o líder dessa civilização exige da rainha Ramonda que sequestre e lhe entregue quem desenvolveu essa tecnologia de detecção.
O início do terceiro parágrafo deste texto repetindo o início dos dois anteriores, mencionando o passamento de Boseman, não é à toa: são diversas as homenagens ao ator, cuja ausência tem reflexos na trama. O trágico evento acaba sendo bem utilizado pelo diretor Ryan Coogler no roteiro coescrito com Joe Robert Cole (cooperação repetida do predecessor), que inverte o que se poderia esperar e reforça a potência de Wakanda, que perdeu seu rei, mas não pode ser considerada frágil. Ao contrário, além do poderio bélico das Dora Milaje e da tecnologia avançadíssima, Angela Bassett representa na rainha uma mulher empoderada, decidida e brava (dada a qualidade da atriz, o desempenho de Letitia Wright se torna opaco, a despeito da relevância ainda maior de Shuri). Não se trata de um empoderamento vazio, sobretudo porque Ramonda vive um luto, mas da noção de que o momento é de demonstrar pujança. Além da ótima atuação de Bassett, o visual da personagem estabelece a contraposição entre a rainha e a mãe enlutada: aquela usa um adereço grande e pomposo na cabeça, esta deixa os cabelos brancos à mostra.
Visualmente, por sinal, o filme tem um saldo amplamente (mas não exclusivamente) positivo, a começar por seu esplendoroso figurino. O primeiro filme já havia construído um universo novo, Wakanda, de modo que repetir seus cenários de beleza estonteante seria um pouco monótono. A solução de Ryan Coogler é construir um novo universo, desta vez o de Talokan, relativo à civilização submarina que se torna inimiga de Wakanda. Com inteligência, ao invés de repetir os quadrinhos, a origem de Namor é mesoamericana, distanciando-se da Atlântida pela qual Aquaman (o do filme da Warner) é conhecido. Há uma base riquíssima para criar a civilização comandada por Namor, que, todavia, é pouco aproveitada (no máximo, na cena em que toca “Con la brisa”). A arquitetura e os cenários submarinos aparecem pouco, felizmente, contudo, isso não é o que acontece com os cidadãos de Talokan, que surgem com adornos, como cocares e colares, enriquecendo muito o design de produção da película. Para além dos rituais e da mitologia criada para os wakandianos (como do enterro), elementos levemente expandidos, agora os talokanianos também encantam com suas idiossincrasias.
Para manter a coerência na contraposição das duas civilizações, a trilha musical adota ora ritmos latinos, ora africanos, o que auxilia muito no estabelecimento de uma atmosfera imersiva. Em comum, wakandianos e talokanianos percebem o colonialismo e o imperialismo de outras nações, o que se torna a ideia governante do longa, com uma abordagem muito similar ao de 2018. É interessante a narração de Namor do quanto ficou horrorizado com a colonização espanhola, mas o foco da batalha entre as duas civilizações obsta um aprofundamento na crítica aos países imperialistas, que se reduz à sequência com montagem paralela do início e uma fala solitária da personagem de Julia Louis-Dreyfus.
A atriz divide cena com Martin Freeman, personagens que participam de uma subtrama (um pouco solta, diga-se) de espionagem – o que ocorre também com a Nakia de Lupita Nyong’o. O filme, entretanto, está mais preocupado no enfrentamento Wakanda-Talokan, ainda que para isso se utilize de conveniências de roteiro (como nos diálogos entre falantes de idiomas distintos). Ou seja, é mais um filme Marvel, inclusive com o humor infantil, protagonizado pela excelente Danai Gurira. O que há de realmente novo em “Wakanda para sempre” são duas personagens que influenciam na trama e que certamente serão reaproveitadas no MCU. A primeira é a Riri Williams de Dominique Thorne, reiterando a representatividade que marca a subfranquia Pantera Negra, com um frescor de uma juventude ingênua. A segunda é o antagonista da produção, o espetacular Namor de Tenoch Huerta.
Huerta tem em Namor um anti-herói poderoso e combativo, uma divindade (que soa graficamente como tal, como ao transitar entre mar e terra e ao surgir voando na contraluz) de discurso bélico, postura imponente e profundamente ameaçadora. As cenas de ação em que ele aparece são empolgantes e bem filmadas (aliás, a do navio, em que ocorre uma luta na horizontal, é formidável), principalmente pelo modo como ele se movimenta ao voar. Enquanto filme de ação, Coogler entrega um produto de ótimo nível, ainda que haja muitas cenas noturnas cuja turbidez prejudique o resultado. Olhando com maior critério, porém, sua ideia governante é abordada com superficialidade e a narrativa é bem singela. Por ironia, o fascinante anti-herói da produção é o seu herói, não por salvá-la, mas por alavancá-la a um nível superior do que estaria sem ele.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.