#OSCAR2020: curtas-metragens (ou: as categorias que você esqueceu que existiam)
Chegou o grande dia, o Oscar é hoje! As pessoas que acompanharam os lançamentos do ano passado (que foi considerado um dos melhores anos, para o cinema, nos últimos tempos) ficam ansiosas para ver qual interpretação, direção, filme, entre outras categorias, vai levar uma estatueta para casa. No entanto, não é apenas filmes de guerra com plano-sequência que se faz um Oscar: há categorias em que, quando são anunciados os indicados, você não conhece e acha que são obras pouco relevantes. São os curtas-metragens, que, na maioria das vezes, o acesso (principalmente aqui no Brasil) se resume a uma animação com menos de dez minutos da Pixar, na sessão de um filme da Disney. Porém, com a internet e os streamings ganhando cada vez mais força, o acesso a essas obras com 40 minutos ou menos fica mais fácil. A maioria está disponível online, principalmente a categoria de Melhor curta animado.
Melhor curta-animado.
Neste ano, a categoria está muito bem servida. Se, nas principais categorias, às vezes há falta de representatividade, nessas animações sobram visões de mundo diferentes. A fofa e sensível animação distribuída pela Sony “Hair love“ – que é a favorita na categoria – conta a estória de uma menina que precisa da ajuda do pai para arrumar seu cabelo e ir para a escola a tempo, abordando temas como aceitação e amor próprio. Há também a animação chinesa em stop motion com fotografia em preto e branco “Sister“. Abordando um assunto sobre o qual todos já ouviram falar superficialmente, mas que fica no inconsciente coletivo como uma curiosidade meio bizarra sobre a China, a animação mostra a visão de uma pessoa que teve uma vivência sobre o assunto, a política do filho único que existia até 2015. “Sister” é uma obra muito pessoal da diretora Siqi Song e que conta com uma animação muito criativa e, ao mesmo tempo, tocante – mesmo com menos de dez minutos de duração.
Outro curta, com pouco mais de dez minutos e também feita em stop motion (aliás, três filmes dessa categoria usam a técnica) é “Mémorable“, dirigido por Bruno Collet. É o projeto mais impressionante, uma obra estranha que fala sobre Alzheimer de uma forma única e sensível, com vários conceitos e experimentações, mas que nunca tira a melancolia que carregada em sua estória. É lindo e merece ser visto por todos.
Outros curtas que também merecem ser vistos, mas que são mais esquecíveis que os outros indicados, são “Kitbull“ e “Dcera“. O primeiro é o representante da Pixar, dessa vez sem o investimento que geralmente tem (e que sempre fazia dela favorita nos últimos anos). Trata-se de uma animação 2D simpática e emocionante sobre um gato de rua que faz amizade com um pitbull, mas que não tem nada de memorável. “Dcera” é o curta mais fraco: mesmo que, tecnicamente, esteja acima da média, ainda há outros na categoria em igual nível, porém com uma história e personagens mais interessantes.
Melhor curta-metragem documentário.
Esta é a categoria de curtas com menos projetos interessantes. “Walk run cha-cha“ é um curta do The New York Times disponível no site do veículo. O documentário dirigido por Laura Nix fala de uma casal vietnamita de meia-idade que se mudou para a Califórnia e que tenta reencontrar sua paixão através da dança. O curta tenta ser sensível ao mostrar a relação dos dois, mas acaba sendo superficial e vazio. O que há de mais interessante são as menções ao Vietnã.
Disponível no catálogo da Netflix, “A vida em mim“ parece promissor, apresentando uma doença desconhecida e ganhando o interesse do espectador logo no início. A “Síndrome da Resignação” é um tema interessante de se documentar por ser muito específico, é uma doença psicológica que atinge crianças refugiadas da Suécia nos anos 1990, cuja família se encontra em processo de residência ou asilo. O assunto parece ótimo para um documentário, mas o material deixa muito a desejar por não se aprofundar na doença, e sim como afeta algumas famílias da região. A Netflix geralmente lança documentários bem melhores para representá-la perante a Academia.
“In the absence“ é um documentário sul-coreano dirigido por Yi Seung-Jun, que tem muito controle de como documentar a tragédia de Ferry Sewol, um navio que fazia o transporte de quatrocentos e setenta e seis pessoas – na maioria, alunos de uma escola secundária – de Incheon até a Ilha de Jeju. O navio adernou por horas, mas somente cento e sessenta e quatro pessoas foram salvas. Foi uma tragédia que poderia ter sido evitada e o filme deixa isso claro com um bom trabalho de investigação, expondo fatos que repercutem até hoje. Esse foi e ainda é um trauma muito grande para o país, o que o documentário transmite bem, conseguindo horrorizar o espectador com o acontecido. Contudo, o filme carece de uma conclusão mais detalhada.
“St. Louis Superman“ e “Learning to skateboard in a war zone (if you’re a girl)“ não foram disponibilizados para o público brasileiro. Todavia, o primeiro parece ter um apelo político bem forte, não surpreendendo caso leve a estatueta – ainda que “In the absence” pareça ser o favorito.
Melhor curta-metragem.
É sempre difícil avaliar os indicados desta categoria, pois nem sempre se sabe se o projeto é pensado unicamente como curta-metragem ou se é um teste para arrecadar financiamento para se tornar um longa.
“Brotherhood“ foi dirigido e roteirizado por Meryam Joobeur. O curta fala sobre uma família refugiada síria que tenta retomar uma rotina humilde em outras terras, mas o patriarca vê o seu novo lar ameaçado após a volta do primogênito para casa, trazendo consigo uma mulher de túnica que diz que está grávida. Devido ao diretor ter conseguido dinheiro necessário para fazer o seu longa-metragem, é difícil analisar a obra alheio disso. A intenção de fazer um projeto mais ambicioso com essa estória se reflete muito no filme, que, na parte técnica, é o melhor entre os indicados, todavia deixa muito em aberto na narrativa, o que acaba dificultando a conexão do espectador com os personagens e seus conflitos.
Também se encaixa nessa lógica “Neft Football Club“, dirigido por Yves Piat. A produção é francesa, mas a estória se passa em uma vila na Tunísia. O projeto já rendeu o suficiente para o diretor produzir o seu primeiro longa. Ainda assim, o curta vale ser visto pelos bons personagens e pela narrativa, que usa muito humor para contar a pequena, mas muito engraçada jornada dos protagonistas (o filme é muito recomendável para quem gosta de futebol).
“Saria“, dirigido por Bryan Buckley, talvez seja o curta mais socialmente relevante da lista. É inspirado na história real do incêndio que matou 41 crianças no “Hogar Seguro Virgen de la Asunción“, na Guatemala, em 2017, um albergue onde meninas menores de idade eram enviadas a título correicional. Apesar de ser um curta muito importante por falar dessa tragédia, a produção e a técnica podem deixar um pouco a desejar – o que atrapalha a experiência, mas não deixa de ser impactante ver aqueles personagens tentando sobreviver em um lugar com tanto abuso e sofrimento.
“The neighbors’ window“ talvez seja o projeto mais frágil entre os indicados, mas é também o (um dos) favorito(s), muito por conta do diretor e roteirista Marshall Curry, que já concorreu com outros curtas e documentários em anos anteriores e é um conhecido da academia. O curta conta a estória de um casal de meia-idade que começa vigiar os vizinhos do prédio da frente, por se interessarem em suas atividades que os fazem questionar a vida que levam. O filme apresenta um bom trabalho técnico, mas isso pouco importa aqui, já que é usado em uma estória que tem um tema interessante, mas apresenta ideias fracas para desenvolvê-lo. A estória é finalizada com um plot twist que não tem dez por cento da força ou da inteligência que o diretor acredita que teria para favorecer sua mensagem. Infelizmente, a única relevância que esse projeto tem está atrás das câmeras, e não o que está sendo contado na tela.
Diferentemente dos demais candidatos, “A sister“ sabe usar muito bem cada segundo apresentado em tela. A direção é da francesa Delphine Girard, que aborda uma tensa situação de sequestro usando apenas uma ligação telefônica entre duas mulheres, a vítima e uma operadora da polícia fingindo ser sua “irmã”, já que o criminoso está ao seu lado no carro. A tensão é muito bem construída aqui, aumentando a cada minuto da ligação, utilizando muitos planos fechados para aumentar o senso de claustrofobia. O curta tem um roteiro simples, mas muito eficiente e imersivo, deixando o espectador sempre inquieto com a situação em que as personagens se encontram. Trata-se de um exemplo de como um curta pode ser uma experiência completa com uma boa ideia. O filme está disponível no YouTube.
Embora cada categoria no Oscar sempre tenha um vencedor, o cinema não tem a ver com prêmios (ou melhor, nem necessita deles para ter validação). Apesar disso, há obras que inevitavelmente vão ser esquecidas na noite do Oscar, sem levar nenhum prêmio pra casa, mas isso não quer dizer que não devam ser vistas. Exemplo disso é “Mémorable“, que é bastante sensível. Infelizmente, por ser uma animação francesa e ter poucas chances de ser o vencedor da categoria, vai passar despercebido por muita gente. As categorias de curtas sempre nos lembram o quanto cinema é uma arte ampla e diversa, que pode abraçar vários conceitos.
Por acreditar que poucas coisas são tão poderosas quanto uma estória, poder escrever sobre elas me deixa realizado.