“OS SEGREDOS DO UNIVERSO POR ARISTÓTELES E DANTE” – Um pouco de graça e outra coisinha
Para dançar “La bamba”, é necessário “um pouco de graça e outra coisinha”, de acordo com a imortal canção oriunda do folclore mexicano e interpretada por diferentes vozes. Por analogia, para um romance gay teen, os mesmos elementos são necessários. Entretanto, eles estão ausentes em OS SEGREDOS DO UNIVERSO POR ARISTÓTELES E DANTE.
Apesar de serem muito diferentes em suas personalidades, Aristóteles (“Ari”) e Dante iniciam uma forte amizade. Suas diferenças se tornam pequenas à medida que se conhecem e se afeiçoam um ao outro. Mais do que criar um vínculo, juntos eles começam uma jornada de autodescoberta.
O diretor Aitch Alberto (responsável também pelo roteiro, baseado no livro de Benjamin Alire Sáenz) consegue elaborar uma atmosfera certeira para seu longa. O filme se passa na El Paso de 1987, contexto a que se seguem as idiossincrasias próprias do local e do período, notadamente a cultura mexicana (ainda que com presença fraca no filme) e a comunicação analógica (os discos de vinil, as cartas etc.). Entretanto, enquanto a ambientação é boa em seu lado real (citando, por exemplo, os problemas de uma cidade pequena e as curiosidades e descobertas da adolescência), o lado etéreo não funciona bem. Em que pese o esmero da mise en scène – como no flare da fotografia (simbolizando o abstrato) e na ressignificação do banho de chuva da dupla principal (de uma noite traumatizante para um dia comemorativo) -, a “magia” vista por Ari (e apenas ele) destoa do resto e não é sequer bem trabalhada. Assim, o desfecho sobre os segredos do universo não é apenas piegas, mas ruim.
Isso é resultado da irregularidade do filme entre seus atos. No primeiro (o melhor), o diretor faz uma aproximação orgânica entre Dante e Ari com as aulas de natação, bons diálogos, troca de olhares etc. São apenas eles contra o mundo: a piscina começa cheia, mas o enquadramento os coloca solitários adiante. A fotografia aproveita bem a cor azul (a piscina por dentro, o estofado do ônibus, os figurinos, a mochila de Dante…) para transmitir a refrescância buscada pelos meninos naquele verão sufocante (o que se alia a componentes como sorvetes e roupas de veraneio). Há, de fato, atenção a minúcias, chamando a atenção ainda a pintura mostrada por Dante. Trata-se de “Balsa da Medusa”, elaborado no século XIX pelo pintor francês Théodore Géricault, símbolo da resistência à opressão e da resiliência humana face às adversidades.
Mesmo breve, o momento é significativo em várias camadas: é Dante quem mostra a Ari a pintura no livro, apresentando a ele a possibilidade de uma postura combativa que até então lhe era inimaginável. Precisa ser Dante a apresentar o quadro porque esse tipo de postura combina com ele, que é mais expansivo do que Ari (certamente as aulas de natação não ocorreriam na situação inversa) e ávido por extrapolar fronteiras (o que explica sua empolgação maior por Chicago do que pela cultura mexicana). Reese Gonzales transmite em Dante esse adolescente voraz através da verborragia e da animação, ao passo que Max Pelayo traduz pelo olhar a introspecção de Ari. A contraposição é feita por elementos imagéticos: o quarto de Ari é minimalista nos objetos e tem paredes cor de gelo, o de Dante é recheado de pinturas, vinis, pilhas de livros e roupas largadas; no figurino, Ari evita estampas e usa cores claras, oposto de Dante; mesmo o penteado dos dois é antagônico.
Quando a aproximação entre Ari e Dante começa a cativar o espectador, tudo muda com um acontecimento na quebra entre atos que na realidade não tem maiores repercussões, surgindo um segundo ato desinteressante porque os separa. Graficamente, a paisagem se torna mais desértica e a cor vermelha ganha espaço (a camionete de Ari, seu uniforme de trabalho…), mas o encaminhamento narrativo é frustrante. As premissas preestabelecidas perdem relevância e o show, don’t tell é, no mínimo, relativizado.
No terceiro ato ocorre a prevista reaproximação, com esperadas cenas com ternura em algum grau (a chuva, o primeiro baseado). Porém, a força que o filme deveria ter está ausente, apesar de dois eventos dramáticos. O primeiro se refere a uma situação mal aproveitada. Aliás, há vários elementos soltos: a citação a Ritchie Valens e “La bamba”, o caderno de desenhos, as colegas de Ari e a menção decepcionantemente breve à luta contra a AIDS. O segundo evento dramático abre espaço para um conflito externo repetido à exaustão em longas similares e que nada acrescenta à relação entre Ari e Dante. Como se não bastasse, Eva Longoria tem péssimo desempenho como uma mulher que chora sem lágrimas (do elenco de adultos, apenas Eugenio Derbez se salva, talvez pelo pouco tempo de tela).
A graça que “Os segredos do universo” poderia ter está no casal principal. Todavia, o encadeamento da trama esvazia a possibilidade de carisma dos dois enquanto casal e os desenvolve mal individualmente. A “outra coisinha” seria aquele sentimento arrebatador que um bom romance precisa apresentar. Aqui, ele é tão morno que nem mesmo o verão de El Paso consegue esquentar.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.