“OS REJEITADOS” – Ensaio sobre a empatia
A partir de três atuações potentes e matérias envolventes, OS REJEITADOS constitui um belo ensaio sobre a empatia, seu tema principal. Poucos assuntos conseguem ser tão universais, atemporais e necessários quanto esse, menos ainda abordados com tamanha sutileza. Trata-se de um filme que pode parecer despretensioso, mas é comovente sem precisar do melodrama.
Durante as férias de inverno, um amargurado professor ficará responsável pelos alunos que permanecerão no campus durante o Natal e o Ano Novo. Ao contrário do sofrimento esperado por e para todos, o que ocorre é a improvável formação de um vínculo entre o professor, um aluno traumatizado e a enlutada cozinheira-chefe da escola.
A narrativa escrita por David Hemingson é ambientada na transição entre as décadas 1960 e 1970, o que o diretor Alexander Payne traduz através de imagens (os logos antigos em visual granulado, além, é claro, do design de produção de época, principalmente para demonstrar o quão tradicional é o colégio), sons (a citação a Artie Shaw, o som de vinil) e referências, cinematográficas (“Pequeno grande homem”) e contextuais (a Guerra do Vietnã). Da mesma forma, o período natalino faz parte da ambientação, o que está também no lado imagético (decorações, neve) e sonoro (clássicos como “Joy to the world” e “White Christmas”) do longa.
Essa ideia de ambientação está presente nas pessoas que compõem o filme, como os adolescentes, naturalmente interessados – e simbolicamente demonstrando rebeldia, ainda que clandestinamente – em pornografia, tabaco e maconha. Aos poucos, a linha traçada entre adultos, de um lado, e crianças (ou adolescentes), de outro, é borrada, de modo que se verifica um paralelismo entre eles, como quando, em uma refeição, os dois grupos são identicamente filmados em travelling, ou quando se percebe que a maconha é instrumento de suspensão tanto quanto o álcool a que recorrem o professor e a cozinheira. Eis o primeiro tema, a humanidade, isto é, aquilo que se identifica no comportamento humano independentemente da faixa etária.
O paralelismo prossegue no segundo tema, que é o sistema, ou, mais precisamente, o modo como as instituições funcionam para prejudicar quem está em posição mais vulnerável. É isso que ocorre com Angus Tully, jovem que não encontra na família o amparo que necessita em um momento difícil, sua mãe está mais interessada no marido rico (e é também por isso que lhe é tão significativa uma ceia natalina com comida caseira e pessoas que sentem afeto umas pelas outras). Não é diferente a situação do professor Paul Hunham, que, ao não se submeter a um quid pro quo institucional (aprovar um aluno considerado por ele inapto simplesmente porque seu pai é um político influente e importante doador à escola), sofreu uma punição velada. Igualmente, Mary tinha um filho com potencial reconhecido por Hunham, porém sua situação financeira impediu que prosseguisse nos estudos.
Essa metodologia comparativa entre as personagens nem sempre funciona. No caso do romance atribuído aos três, por exemplo, surgem atores que sequer se qualificam como personagens, inclusive em uma sequência em montagem paralela, destoando da agradável mescla de comédia (diálogos sagazes, como na cena no museu), feel good movie (a deliciosa cena do jubileu de cerejas) e um drama comovente e bem dosado. A mistura funciona também, em parte, graças às atuações revigorantes de Paul Giamatti, Dominic Sessa e Da’Vine Joy Randolph, que se equilibram entre si e a si mesmos. Com Giamatti, Hunham é um culto raivoso, com palavras difíceis (geralmente ofensivas, vide “filisteus preguiçosos”), uma mentalidade demasiado rígida (baseando-se na ideia de que “a adversidade molda o caráter”) e aparentemente incapaz de ser sentimental (basta ver a reação ao receber os biscoitos). Por uma razão inicialmente oculta, existe um rancor generalizado pelos garotos privilegiados que estudam na escola, o que não significa que o professor não tem nenhum senso de humanidade.
A empatia já fazia parte dos valores do anti-herói ao censurar a maneira torpe pela qual Kountze (Brady Hepner) encara Mary. Por outro lado, é, em parte, graças à própria Mary que o professor relativiza sua rigidez com Tully (o que faz também por conhecer mais o garoto). A atriz, todavia, não transmite na personagem um ar complacente, restringindo-se a um raro sentimento de bondade, uma bondade talvez análoga à de Tully, que reconforta e ajuda um colega mais novo que urina na cama. Seu intérprete, Sessa, compreende que o rapaz é comicamente motivado por hormônios masculinos, porém sem prejuízo de certa infantilidade (como ao ficar empolgado para fazer as malas), a despeito do trauma pretérito. À sua maneira, Hunham, Tully e Mary são vítimas de intempéries, o que faz com que se identifiquem e fortaleçam a empatia. Mais do que isso, as tristes vicissitudes de seu passado não os levaram a uma vitimização, mas a uma adaptação difícil que é facilitada apenas pelo auxílio mútuo. Não há lição mais valiosa que essa.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.